3 de julho de 2024

O pior medo

O pior medo é o de escrever, porque escrever é justamente para afastar ou vencer os medos.

O medo do posicionamento, da manifestação.

São Bernardo

São Bernardo (1972)

Direção: Leon Hirszman

Gênero: Drama

Duração: 01h:54m


Gosto de filmes que me fazem encontrar o vazio da vida. Me colocam defronte dele. E São Bernardo é a adaptação do livro de Graciliano Ramos, com passagens do texto escrito recitadas pelo narrador Paulo, personagem principal (?) da trama. Chego agora a colocar em dúvida seu protagonismo pois é a mulher Madalena que revira os acontecimentos na fazenda São Bernardo, em Viçosa, Alagoas.

Paulo subiu na escala social de jagunço a golpista, que havia passado anos preso pela morte de quem insultara sua honra, crime passional comum por aquelas bandas. De golpista aplicado, toma por compra a Fazenda São Bernardo e lá estabelece suas leis e seus limites, cada vez mais ilimitados. Cruel, explorador com seus empregados, desconfiado de todos, egoísta ao máximo, pensava na mulher apenas como posse, na procriação apenas por herdeiro, na fazenda apenas por produção, nos empregados apenas como explorados.

Apesar de vivido e antenado aos negócios com seus contatos, nada letrado, Paulo desconfia das teorias, das conversas dos empregados, da relação da esposa Madalena com o professor Padilha. Bem simboliza o medo da ameaça comunista, fantasma comum que assola os produtores e empresariais brasileiros até hoje. Basta que se invoque a palavra comunismo para o delírio coletivo, pior do que barata ou rato em cozinha farta.

Paulo comprou tudo que pôde em vida. Uma fazenda, empregados, uma esposa por proposta salarial mais condizente a ela. Construiu e destruiu. Explorou, sugou e nada para alma colheu. Esfacelamento improdutivo. Solitário por cômodos vazios, casa grande despovoada, relações quebradas, paranoia a tudo que lhe escapa. Noto cenas em que ele aparece como último a saber, com certeza uma das piores sensações humanas. A sensação de passado para trás, de que algo importante acontece a suas costas. E as costas largas do produtor viam quaiquer transformações mundanas com o pessimismo se lhe escapavam o controle. A vida de um despreparado para a posição que ocupava. Um reino corroído pela miséria em volta e pela miséria moral em si mesmo. Um fosso aberto em volta de um castelo em que o isolamento afetava a si. 

A história de ascensão e queda de Paulo. O distanciamento a todos. A desconfiança de funcionários, partidários, padre, letrados, quaisquer. A construção de um fantasioso e ganancioso mundo individual em que ao redor tudo era ameaça a seu umbigo. Uma personalidade desprezível ao mesmo tempo que pitoresca e curiosa, para descoberta dos limites da ganância humana. Uma personalidade que ao final revela o desejo por mudanças, pela quebra da rigidez que já lhe afligia, mas a impossibilidade de mudar sua árida mentalidade ao que passo em que exteriormente o mundo apresentava respiros de possibilidades e transformações além das armas e cartadas sujas. Será?