21 de julho de 2024

Fogo, eu te amo - Fogo, eu te amo, meu amor

O meu sangue ferve por você. Botafoguense Sidney Magal, a constar. Quanto mais penso no Botafogo, mais aprecio. Mais ele me cativa, me envolve, me obriga. Talvez se esconda algum desejo de ser meu pai e o que na vida dele deu certo - e não poderei ser, nem desfrutar. Como ninguém pode, exatamente, ser igual ao pai, por mais que se aproxime disso, ou até seja obrigado, igual família de médicos ou advogados ou donos de alguma empresa. Mas o Botafogo.

O Botafogo tem uma identidade visual que, como vim a saber da preferência do falecido narrador Silvio Luiz, foi uma paixão por ver o escudo que quase o obrigava a pegar no colo, querer cuidar dele. A estrela solitária, que ostenta e persegue. Parece que viveremos eternamente de 1995, meu ano. Solitária. Um pesar tremendo que Sílvio Luiz, que narrou tantas glórias de tantos times tenha morrido sem uma nova chance do Botafogo campeão. E assim são tantos. Beth Carvalho e por aí vai. Zeca Pagodinho, pegue leve, meu aclamado e autodiagnosticado pé frio.

Silvio Luiz faleceu sem essa nova chance. Lembrarei sempre. Penso em meu pai e a única conquista que gostaria de ver ao lado dele. Se pede mais nada. Estamos sempre distante desse objetivo. Quando realmente estávamos longe, parecia mar mais calmo, resoluto, acostumante, mais quieto. Agora o coração salta aos trabucos. O sangue ferve por você, desordenadamente.

A identidade visual do Botafogo, o símbolo, a estrela, a simplicidade, as cores, a ausência de cores, o negro e branco de tantos atores de sua história. Talvez nenhum clube mais literário e cinematográfico no futebol brasileiro. E mundial? Não nos subestimemos, meu bom Brasil, país do futebol muito pelas crias daquele bairro carioca. Insistem chamar de bairro. Pois que chamem. Belo bairro de Botafogo e sua eterna parede de ídolos, que jamais esquecerei ter visto em 2015. Tantos eu soube identificar e outros que, por estar passando rápido de táxi, eu nem soube ou saberia identificar mesmo nos dias de hoje.

Botafogo das histórias de vida. Heleno de Freitas, Leônidas da Silva, diamante negro, Didi das folhas secas, Zagallo e seu número 13, Mané Garrincha, de pernas e linhas tortas, algumas das piores possíveis para essas páginas. A vida. Nilton Santos, atual estádio. Goleiro Manga dos dedos tortos que lhe sobraram. Amarildo, Carlos Germano, Maurício, Wagner, Mendonça, Gonçalves, Pantera, Tulio das Maravilhas, rei do Rio, sim, senhor. Jefferson, Loco Abreu, Seedorf, Gatito, filho de Gato Fernández.

Por que cada tímida conquista soa tão épica? É sempre tão difícil? É sempre tão duro? É sempre tão sofrido? Personagens que crescem nisso, Joel Carli?

Um clube que se apequenou e renasceu. E segue sofrido. E segue sofrendo. E me obriga e me conquista a sofrer com ele. De tão literário e cinematográfico, que estou lendo Godard, Godard gostaria de ter visto o Botafogo. Botafogo foi campeão em Paris. Botafogo dos cineastas, das situações, de filmes, de Stefan Nercessian, irmãos Salles, Cacá Diegues.

Obviamente nas páginas e telas seriam narradas mais derrotas. Virada para o River Plate. Ser roubado pelo Figueirense em 2007. A maior derrocada da história de um campeonato de pontos corridos - ao menos onde há refletores que assim registrem, como aqui inevitavelmente registro. Perder três campeonatos seguidos para o Flamengo para vencê-los de Cavadinha. Não é tão fácil assim executá-la, viu, Messi? Messi que teve pênalti desperdiçado contra Jefferson em um Argentina x Brasil.

Seedorf ser campeão sobre o Fluminense. Mesmo que tenha sido em Volta Redonda ou outro estádio menor. Tomar seis do Vasco e vencê-los depois na final, no mesmo campeonato. Acompanhar os maiores dramas, como o passado com Tiquinho Soares, que perdeu o pai. E eu medroso de perder tão logo o meu.

Ver a vantagem histórica sobre o Flamengo se esfacelar - e o pior, eles passarem o ódio antigo de pai para filho, de avô para neto. Cada vez mais flamenguistas, cada vez mais disparidade, cada vez piores nossos números.

Tão breve parágrafo para conquistas, primeiro carioca campeão sul-americano dentro do Maracanã em 1993, primórdios da atual Sul-Americana. São quatro os Rio-São Paulo, mais duas copas interestaduais dignas de recheio para citações. A Taça Brasil do distante rádio de 1968 também foi a primeira entre os cariocas. Depois, como eu disse, se vive de 1995. Livro, camisas, memórias. Eu nos braços de meu pai. Torneio Carranza. Limpa a garganta. Vencer o Barcelona já venceste. A Juventus também. Peñarol, Santos com gol impedido para amenizar tantas desgraças de diferentes anos e arbitragens. Enfrentar o Flamengo... Ok, isso já foi dito. 21 Campeonatos Cariocas, estar para trás da Portela, como dizem (gosto da Portela, mas até isso vira piada) e uma Taça Cidade Maravilhosa para coroar o ano de 1996.

Em seguida, após o Rio-São Paulo ali por 98, já vem mais desgraça, lotar o Maracanã para ser vice para o Juventude das Parmalats. E hoje uns que mamavam assim mamam em outras fontes. Faz parte será? Aquele, em 1999, foi o maior público da história da Copa do Brasil. Mais de 100 mil. Não deve se repetir. E perdemos. Tu hoje, Botafogo, acumulas os recordes bonitos mas inúteis de maior sequência invicta do Brasil- Flamengo te tirou e tu tiraste a do Flamengo, no mesmo número, siameses de ocasião. Foste 3⁰ colocado invicto em 1977. Chupa Inter de 1979! Tem a maior goleada da história do futebol brasileiro, pois o time da Mangueira é quem viu entrar. 24 gols. E, nessa mudança, tempos distintos, momentaneamente conta com a contratação mais cara do futebol brasileiro. Quanta coisa distinta! Números e histórias.

Um carinho que mais me toca é sempre lacrimejar ao lembrar que na nossa identidade visual o mascote Biriba foi um cão que existiu. Ele às vezes é manso nas imagens, às vezes selvagem. Biriba existiu, entrou em campo e o Botafogo venceu. Foi mascote. Adotado, símbolo, querido e morreu como todos os cachorros morrem. Mas ainda afirmam na história que morreu cego. Isso me faz chorar. Mas tu, Biriba, Biribão, Biricão, não és esquecido, és o cão mais lembrado do Brasil. Símbolo de uma nação. Não a maior, longe disso, mas de escolhidos como foi aquele cão carioca, de estrela solitária em pelo e caminhada errante e decisiva.

Talvez sejamos todos Biribas perdidos. Meu falecido tio que pesquisei quando foi que o Botafogo venceu no Beira-Rio e ele estava lá, quietinho, solitário e que saiu vencedor daquela partida. Tentei repetir teu feito, saudoso tio. Vencemos aquele jogo em Porto Alegre, mas não a guerra general. E aqui estamos, ainda biribas lambendo as feridas. De camisa eleita a mais bonita do mundo, de símbolo que também já foi eleito, pegando em remos, caindo em águas, afundando, ressurgindo. Lutando. Não escolhendo assim lutar, mas já sendo escolhido. E ainda, ao que me consta, ainda, pobres almas, não desistindo. Fogo.

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