Há o que achamos genial. E há o que não entendemos.
Assim começou o documentário Elena, de 2012. Não havia entendido se a moça que havia ido a Nova York estudar teatro era Elena ou sua irmã, Petra, que nos mostra em imagens resgatadas por ela sua vida em convívio com a irmã. Petra Costa é a diretora que assina a obra.
Entre os comentários que vi sobre a película, o destaque é a sensibilidade apresentada nela e não podemos fugir do comentário sobre o grande acervo de imagens da vida das irmãs, que tinham ainda a influência de uma mãe que fez um pouco de cinema em sua juventude. O filme é repleto de referências de como Elena serviu como inspiração para Petra. Uma relação muito próxima entre irmãs, de mais velha para mais nova. Uma família que vivenciou as dificuldades do período da ditadura militar brasileira, suas restrições e possíveis perseguições políticas e depois tentou vivenciar, respirar a arte, em um ar ainda rarefeito no cinema e no teatro nacionais.
Elena tenta ganhar a vida em Nova York. É outra realidade, são outras oportunidades, a ansiedade pelo que pode ou não dar certo. O coração da jovem fica dividido. A espera por um sucesso que não vem. Um talento que não se desenvolve ou não é valorizado. A espera, o compasso longo de uma espera duradoura. Elena vai e a família a acompanha, no caso a mãe e a irmãzinha Petra, bastante criança, pequena, de lembranças vagas, suscitadas ou relembradas através do acervo de vídeos caseiros. Petra é treinada por Elena para também ser atriz. Vídeos caseiros em brincadeiras, vestuário, atuações, banhos e desempenhos. Muitos de nós sonhamos em ter imagens registradas para posteridade através de uma câmera vista de forma amadora.
Petra reconhece a dificuldade de adaptação em uma Nova York de costumes diferentes, de idioma diferente, pois tinha que aprender a duras custas o inglês, do frio diferente do Brasil mineiro ou carioca. Para além da dificuldade de Petra, que era contornada com o passar dos meses em adaptação aos Estados Unidos, Elena passou pelos percalços daquele longo compasso de espera. A depressão contínua, os dias e as noites em muito sonho e pouca atividade, em depressão profunda sobre a cama. A promessa de ligações que não vinham, convites não depositados, atuações que nunca existiram fora dos registros amadores. Sonhos despedaçados, até que ela não resistiu mais e concluiu-se de uma forma bastante estadunidense.
Para Petra ficaram as lembranças, os registros, a admiração jamais cessada, a saudade, palavra bastante portuguesa e contínua, os olhos distantes e jamais consolados no olhar da mãe. "O que houve, mãe? Está com o olhar estranho." "Estava pensando em Elena." Cena que se repetia no dia a dia das remanescentes neste plano.
Para parte final do filme, finalmente entendemos quem era quem. Ou não. Quem havia ido a Nova York estudar teatro. Quem depois estava proibida, ao chegar à idade de prestar vestibular, de escolher teatro e de escolher, entre tantos destinos possíveis pelo mundo, a mesma cidade de Nova York. Se respondem perguntas lá do início documentado, de como era impossível, e ao mesmo tempo tão palpável e presente, encontrar Elena por alguma das infinitas ruas paralelas da grande maçã Nova York, na terra das oportunidades, mas também de opressões, dos sonhos que vingam ou que se vão atrás de portas de repetidos apartamentos.
Fico pensando que pouquíssimas pessoas teriam a oportunidade de realizar um documentário desses, seja pela banalidade de nossas vidas, seja pelas poucas oportunidades de entender de direção, edição e adaptação para cenas, seja pelo pouco acervo que reservamos em nossas casas sobre nossas famílias, nossas infâncias. O filme corre muito mais por narração de Petra sobre o que lembra ou inventa, através das imagens salvas em filmagens, do que com entrevistas novas, que também estão presentes ao tentarem reconstituir o trauma que, na verdade, lhes ocupou eternamente o âmago. Esta é Elena, viva nas imagens, nas lembranças, em olhares distantes e no coração de sua mãe e de Petra, petrificada, mas insinuante e plena.
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