13/10/2023

Guerra e Humanidade (1959) - Amor Maior Não Há

Um filme que deveria ser visto e revisto até hoje.


O filme Guerra e Humanidade, do diretor Kobayashi, de 1959, retrata tempos de Segunda Guerra Mundial entre Japão e China. Os japoneses detinham o poder e escravizavam os chineses. A história conta o personagem principal enviesado entre muitas encruzilhadas, termo inclusive utilizado na narrativa. Ele estava para casar com o amor de sua vida, mas tinha o receio de ser convocado para o exército japonês. Em seus estudos sobre os campos de produção, acaba recebendo a oportunidade de controlar uma mina de extração, com milhares de trabalhadores chineses sobre o controle dos japoneses. Em estimativas do filme, eram mais de 10.000 homens em supervisão daqueles poucos japoneses.

Como recebeu este emprego para ser um dos supervisores da mina, levou sua nova esposa a este local afastado, uma terra hostil, dominada pelos homens e com pouquíssimas mulheres. Tão adverso e arisco eram o clima da localidade que os escravizados não possuíam a mínima chama feminina para atiçar seus corpos, de modo que um serviço de visitadoras, muito semelhante ao que veremos em Pantaleón e as Visitadoras, livro do peruano Mario Vargas Lllosa, acaba aparecendo na trama. São algumas prostitutas que serviriam de consolo e de aparição como recompensa aos exauridos trabalhadores chineses.

Esta primeira parte da trilogia Guerra e Humanidade chama-se Não Há Amor Maior (1959), contando a história do Sr. Kaji, o personagem principal. Ele possui livros do mundo ocidental e é um grande humanista, mas tem seus valores totalmente colocados à prova através das situações adversas que tem de encarar. São líderes oportunistas, corruptos, relatórios falsos, crimes de guerra, torturadores, trapaceiros e subordinados ao exército japonês tendo de conviver com a violência, a retaliação, os excessos de poder e uma tremenda injustiça. O Sr. Kaji e a esposa tem a convivência posta à prova durante toda a trama, escapando de uma situação e logo tendo de resolver outro infortúnio. As ordens superiores são injustas, os relatos dos acontecimentos, da violência gratuita são falsificados. Trabalhadores que são agredidos até a morte são postos em relatórios como fugitivos ou acidentados. A produção de alimento e a distribuição são escassas e injustas. Os chineses estão esgotados de trabalhar para os inimigos e sem recompensa, ameaçando fugas e rebeliões. O Sr. Kaji tem de pacificá-los, conter as investidas e negociar futuros ainda promissores para esses pobres prisioneiros de guerra.

O alto comando japonês, quando acionado, pressiona Kaji por mudanças, por uma produção efetiva. Eles esperavam angariar da colheita 20% de aumento na produção. Não importa pelo que tenham de passar por cima. Por mortos, por esgotamentos, por torturantes jornadas de sacrificante trabalho. Mas Kaji, como dito, é um humanista e observa essas situações incrédulo de tamanhas injustiças, prometendo e pondo em práticas soluções que obviamente desagradam seus superiores e parceiros no comando da interiorana mina em terras chinesas.

Kaji vivencia a traição por todos os lados. Seus negociantes do lado dos representantes dos trabalhadores chineses o traem. Ele se decepciona, ameaça não ligar mais para as reivindicações e condições trabalhistas deles. Mas o coração de Kaji segue posto à prova e ele vai até as últimas consequências por aqueles homens antes desconhecidos, não importando suas origens ou pequenos ou maiores erros passados. O filme todo se desloca em uma trajetória não de santos, mas de homens passíveis aos erros e questiona o valor das desgraças que podem ser depositadas sobre esses desafortunados sujeitos. Kaji circunda por suas temíveis encruzilhadas, sinucas difíceis, quase impossíveis de resolver. Nos questionamos durante as peripécias o que poderíamos fazer no lugar do jovem japonês, de 28 anos, um emprego inusitado e a constante ameaça de perder seu encargo e ainda ser ameaçado de torturas, agressões e até do sumiço como a morte que facilmente poderia ser falsificada em mentiroso relatório.

Kaji convive com as prostitutas que visitam os trabalhadores, com os próprios milhares de mineradores, com os controladores dos suprimentos, guardas, encarregados do exército japonês e outros fiscais e administradores. A corrupção é uma prática frequente, retrata os extremos que ação e pensamento humanos podem chegar em tempos de escassez, guerra, conflitos, animosidade entre etnias, e mesmo entre homens que - teoricamente - lutam pelo mesmo lado de uma guerra. Tantos tentando obter vantagens sobre seus semelhantes, os excluindo, os oprimindo, lutando por seus cargos ou simplesmente por seus pedaços de sobrevivência.

Guerra e Humanidade inicia a trilogia com esse episódio da vida do Sr. Kaji em cerca de 3 horas e 24 minutos de filme. Mostra os excessos da guerra, as injustiças, os comportamentos doentis e fanáticos dos exércitos nacionalistas que até hoje habitam nosso mais ou menos estimado planeta. Mostra a dificuldade da manutenção de valores humanistas iniciais, presentes na teoria bem desenvolvida dos livros, inebriantes na hora do vamos ver da prática. Os desafios do Sr. Kaji deveriam ser vista obrigatória a estudantes, pessoas de todo o mundo, pessoas que desconhecem as práticas sacramentadas e repetitivas da crueldade dos exércitos, os roubos, os excessos, as torturas, os estupros, as condições de vida precárias a que são submetidos seres humanos que como culpa carregam apenas sua etnia ou local de nascença. Um filme pouquíssimo comentado, mas, até a presente hora, contando com minhas cinco estrelas depositadas em nota e com um alta média 4,5 através do aplicativo de catálogo de filmes do Filmow.

Recomendação do primeiro ao último minuto das mais de três horas de duração e lançada minha ansiedade para conferir os outros dois episódios dessa trilogia do diretor Masaki Kobayashi.

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