Lá encontram um senhor cego e mudo chamado Alfredo, o qual seria o verdadeiro morador daquele espaço que Felipe acreditava (ou não) ser desabitado. Alfredo tem seu cão guia e a esposa, que logo se interessa por Felipe.
Acredito que a obra, ao mesmo tempo que se perde, se ganha em metáforas, citações de movimentos políticos da época, datados corajosamente por Nelson Pereira dos Santos. A narrativa fica descontínua, o entendimento envolto em névoa, mas o desenho de um país da época (e de tantas outras, portanto um clássico) atinge objetivos, quando podemos metaforiar os personagens.
Existe o esforço de Mariana para sair daquela ilha que receberia contornos de orgia - não totalmente demonstrada no filme - e assim conduzir o cego Alfredo para fora daquela traição devassa imposta por sua esposa. Vejo nessas imagens um Brasil censurado midiaticamente, debilitado no afastamento da esfera democrática, tentando sair desse círculo infernal inimaginável a Dante. Um Brasil que necessitava fugir desse caminho tortuoso em que a burguesia é retratada com deboche pelo sensível Nelson Pereira, autor de outros filmes como o clássico Rio Zona Norte, um de meus preferidos.
Um Brasil subvertido na verdade pela cegueira das festas esvaziadas em significado e apartadas das críticas sociais, que nosso povo constantemente precisa manter em exercício.
Acredito que meu esforço aqui para catalogar e deixar registrada minha opinião sobre a obra, esteja involucrado nos conteúdos que assisti imediatamente em dias anteriores. Vídeos sobre a pobreza e violência nos Estados Unidos, em ruas nefastas tomadas por moradores homeless, vivendo em barracas, em meio a lixo e usuários das mais diversas drogas, que devo abordar futuramente em outro texto. Também recém assisti ao Argentina 1985, filme premiado com a figura central de Ricardo Darín no papel de um promotor no caso considerado o mais importante da história argentina, o julgamento dos chefes militares no período atravessado em ditadura.
Enxergar imediatamente após essas questões, essas temáticas, abre horizontes acerca da visão sobre o filme Fome de Amor. Essa fome é metafórica, de um país que perdia rumos, um país alcoolizado e perdido, ilhado do mundo, como recentemente esteve na péssima repetição quimérica de um (des)governo Jair Messias Bolsonaro. Um país irreconhecível para quem acreditava nele, um país que trai seu próprio povo, um país de líderes descontrolados impunes. Um país também com sede de ser liberto, mas que ao mesmo tempo nos questiona que tipo de liberdade, pois as atuais ruas de Kensington, na Philadelphia, nos alertam para outros perigos, como o descontrole em gestação na ilha paradisíaca do filme brasileiro de 1968.
1968 é um ano que remete aos protestos e correntes formuladas na França. O Cinema Novo, pouco aproveitado em herança brasileira, condizia com técnica e semelhanças da Nouvelle Vague francesa, mas carrega sempre as especificidades de uma América Latina complexa, da qual o Brasil por oras se acerca, por oras se despede incomunicável em uma ilha que o torna ainda mais nativo, cativo de seus próprios problemas insolucionáveis ao largo da história, queiram escrever com H maiúsculo ou minúsculo.
Por fim, não consigo encerrar essas linhas sem deixar trecho do texto do poeta equatoriano Jorge Enrique Adoum, em trecho de conferência pronunciada no V Encuentro de Poetas Latinos. México, outubro de 1990. Revista Blanco Móvil, de 1991.
Aqui o autor define nosso continente latino-americano com uma precisão impressionante.
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