25/09/2021

Valdir e as folhas

Para preparar aquele prato consistente de algumas folhas era necessário cozinhá-las por sete dias. Nem a mais nem a menos, diziam os descobridores do norte do país. O demorado procedimento era preciso para eliminar totalmente o veneno, as toxinas da saborosa e nutritiva iguaria. Mas como descobriram isso?

- Pessoal, cozinhamos durante sete horas, mas o Valdir provou e caiu durinho. Precisamos ampliar o tempo de cozimento para três dias. Três dias, ouviram?!

Dizia o cozinheiro organizador daquilo tudo, enquanto o corpo de Valdir ainda se estendia deitado ao lado da confusão dos que jogavam o conteúdo das panelas fora. Mais um desperdício na colheita das folhas.

- Precisaremos revezar os responsáveis pelo cozimento. Você aí, ajude a cobrir o Valdir. Pobre Valdir, provou logo a três colheradas. Eu bem que avisava dos riscos. Como resistiria o coitado? Como havia de saber? Quem se propõe a buscar mais folhas? Certo. Você aí! É, você. Você também. Vocês poderão ir. E para cuidar o fogo? A primeira noite pode ser comigo mesmo, estou bem desperto.

Os funcionários desse chefia mandão cobriam Valdir com outras folhas, essas inofensivas para o corpo inerte do Valdir. Se bem que agora tanto faria de diferença para ele, apenas interferiria nas mãos dos zelosos, que precisariam lavá-las muito bem no rio antes de levá-las ao rosto, etc.

Antes de ser levado a cabo para sete palmos abaixo da terra, Valdir ainda escutaria como testemunha a preparação das próximas vítimas do obstinado plano de aproveitar aquelas plantas. Ele logo teria companhia em sua ala improvisada no cemitério dos mortos da aparentemente inofensiva planta. A fome era a guerreira maior e eles serviriam de mártir para descobrir em quanto tempo o cozimento era necessário.

- Vão lá buscar, vão lá buscar antes do anoitecer. Andem, não percam tempo. E levem essas flechas que não sabemos quantos mais de outras tribos estarão à procura de nossas ervas. Pobre Valdir. Quem lhe viu, quem lhe vê, antes homem tão forte, cheio de vida que era. Que descanse em paz. Vocês ainda não foram, seus inúteis? Querem que percamos mais uma noite? E vocês, por que não levam logo o Valdir ao inevitável destino? Logo começará a feder por aqui e, não fosse nossa tamanha fome, fecharia nossos apetites. Ó, Valdir, que nossos deuses o tenham. Que nossa preciosa e também travessa e cabreira terra o receba respeitavelmente!

Desde então o espírito vingativo de Valdir une-se ao veneno para assombrar àqueles desavisados que também desconhecem o tempo necessário do cozimento. Dizem os sabidos que às vezes nem esperando os sete dias se está livre das toxinas. O Valdir, guardião fervoroso de segredos fatais, sempre está à espreita.

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