Acabo de assistir ao filme O Gabinete das Figuras de Cera (Das Wachfigurenkabinett) (1924), produção alemã de Paul Leni, obra do movimento conhecido por Expressionismo Alemão, que tinha, entre outros grandes diretores, a figura de Fritz Lang. Uma ideia concebida no filme fixou-se em minha mente. A história de Ivan, o Terrível, o "Czar das Rússias". Na narrativa criada, Ivan estava condenado à morte por um empregado, que o condenou como último ato, porque estava para morrer. Mas Ivan, ao descobrir seu trágico destino, engana seus "ministros" Morte e o Diabo ao trocar de lugar com o cocheiro que o conduziria para uma aldeia. Dirigindo o coche, o acometido pelo final definitivo é o funcionário que estava vestido de Ivan.
A história prossegue com Ivan novamente condenado à morte por um suposto envenenamento. Ele novamente tentaria driblar seu destino, mas não posso afirmar que com tamanho sucesso. 'Spoilers' à parte, fiquei preso nessa ideia de trocar de identidade. Em tempos remotos, sem os usufrutos da tecnologia, seria mais fácil ou mais difícil partir para mudar sua identidade? Hoje observamos os dois lados nas redes sociais. Perfis fakes se passam por mulheres tentadoras, outros por simples bisbilhoteiros de perfis alheios e ainda há o tipo mais comum das últimas eleições para cá: os comentaristas de portal. Figuras aliadas ou contra os governantes que participam de foruns com os únicos intuitos de cravar suas bandeiras e/ou tumultuar na deposição de ideias.
Também como não lembrar da crescente onda de fake news - notícias falsas (ah é!) que inundam as redes sociais, os grupos do aplicativo verdinho e por onde mais puderem navegar. Difíceis ou praticamente impossíveis de mapeamento da origem, áudios falsos, vozes nada oficiais, crises de identidade, traições, mortes precoces, assinaturas falsas de governos, sintomas, causas e consequências inventadas e forjadas, porta-vozes das mentiras mais cabeludas que se possa imaginar. O internet é como o jogo do arrojado encanador Mario Bros, mas você é apulhalado inclusive pelas costas com maior frequência.
Seria mais fácil para Ivan trocar de lugar com o funcionário por não haver assim fotos dele espalhadas, em tempos anteriores à invenção da máquina fotográfica? Os registros eram feitos em pinturas, restritas às cortes ou às poucas composições de nobreza. Para a vassalagem seria ainda mais fácil escapar das garras ao trocar de identidade. Ademais, vemos histórias desse tipo. Relembro também aqui o clássico Conde de Monte Cristo, que retorna de sua condenação direta para um cargo visado de conde, invadindo palácios e buscando vingança. Desconfianças só de quem os conheceu em momento anterior da vida. Quem vê pela primeira vez não faz ideia. Ademais, também não existiam registros gerais (RG) ou outras formas de cadastros. Era (quase) tudo da boca para fora. Outros exemplos das épocas mais medievais eram de acusados, criminosos, fugitivos em dívida, ou seja lá o motivo, que partiam de suas terras natais para outros rincões, em busca da paz e do sossego, novas identidades, literalmente novas vidas pela frente.
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Ivan, o Terrível, diante da ampulheta, tentando enganar a Morte Filme: Gabinete das Figuras de Cera (1924) |
Pois vejam Ivan na noveleta relatada, conseguindo enganar não só aos homens em um primeiro momento, mas incluso os "certeiros" (?) Morte e o Diabo. Que sobrará aos meros mortais diante de tal manobra dos fugitivos? Enfim, no filme vemos que pelo menos ao último movimento é impossível driblar em definitivo a Senhora Mortindade - para os não íntimos.
Seguidamente também penso sobre a quantidade de cadastros que afetuamos. Acesso a materiais artísticos, acesso a bancos, acesso a dados, aceso a documentos nossos ou dos outros. Acessos e barreiras e restrições. Senhas que cadastro com a obrigatoriedade de ter tantos dígitos, de conter letras, de conter mais ou menos números, de conter símbolos variados propostos com o auxílio da tecla Shift (ainda se chama assim? não sei, apenas a teclamos sem a chamarmos por nome algum). Sem a senha só em sonho - impossível alcançar - dizia Humberto Gessinger em canção do duo Pouca Vogal, na companhia de Duca Leindecker. Pois é, este texto começou com a filmologia alemã do século anterior, quase completando 100 anos da obra inspiradora no Expressionismo Alemão, e termina com os gaúchos descendentes.
Um último questionamento bobo: sobrenomes mais difíceis estão mais seguros nessa indústria toda, pelo entrocamento de consoantes nos emails, senhas e assinaturas? Fica a questão.
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