Às vezes penso que os conteúdos que escrevo são muito tristes. Mas repensando, não importa. Contemplo ao lado mais triste que necessita companhia. É fossa. Para os que se surpreendem, é talvez porque não desceram o suficiente ou não atingiram o patamar de conhecimento sobre essa melancolia toda. Acontece que ela está aí. É cinza no ar, é fumaça de cigarro. Está nos metrôs na volta para casa, nos carros parados, nas bicicletas e motocicletas fechadas, nos pedestres que vacilam ao atravessar e quase passam por cima deles. Está nas rádios interioranas, nas menores audiências, nos músicos que não têm como se sustentar, além de outros artistas e suas artes. Está nos códigos ambientais ignorados, rasgados, demolidos. Está nos hospitais.
Estava vendo um filme espanhol chamado 'Seu Filho', cujo personagem principal é um médico em que o filho é agredido brutalmente e agora ele quer vingança. Mas independentemente desse longa, me recorrem os ambientes hospitalares e suas peculiaridades, a morbidez, a preparação para morte em requisitado Santo Afonso de Ligório. Poderia ser um livro bem requisitado para essas horas. O cheiro hospitalar, os corredores, as conversas apressadas dos servidores, dos profissionais da saúde, os tons monocromáticos e a espera de quem não tem para onde ir. Seja o paciente ou os familiares e amigos que aguardam em cadeiras nada confortável, pois, independente do conforto, a situação de aguardo se torna muito desconfortante.
Horários de almoço em hospitais, comida de hospitais, comida em volta dos hospitais, nos restaurantes, nos botecos dos arredores. Imagino os atendentes desses locais, como costumam receber pessoas com olheiras, cansadas, esbaforidas, como as bitucas de cigarro se acumulam nos pátios, nos lances contínuos às escadas e rampas, principalmente rampas, onde estacionam às pressa e saem ainda mais às pressas ambulâncias, paramédicos, medicamentos, plantões, urgências.
Enfermidades e angústias que se misturam em comidas também monocromáticas, em sabores monocromáticos. Em paladares que já não sentem, em rotinas que se incorporam. Em realidades redesenhadas. A vida muda de um dia para outro, nos surpreende. É bem verdade que a maioria das vezes negativamente. Por isso me preparo, me precavendo. Sei de diversas possibilidades ruins que podem cercar-me, nem imagino outras. Se eu fosse negativo, saberia mais delas, mas ainda estão aí, como feras, como bestas na natureza que nos fôssemos largados e pelados.
Não há idade, não há segurança, não há sabedoria, não há preparação que dê conta muitas vezes. Acometidos jovens, acidentes, acasos, azares, catástrofes e tudo muda. A ti e a quem cuida, a quem está perto, quando há alguém por perto. Rotinas arrastadas, como carros rebaixados em ruas irregulares. Indecisões, incertezas, inexperiência para lidar. Mais quantos dias? E quando sai da UTI? E os medicamentos fazendo efeito? E o tratamento é assim mesmo? E esse sintoma é esperado? E esse colateral já aconteceu? E esse caso é comum? E esse outro é inédito? Na vida de quem acompanha quase sempre é. É inesperado. É um chão que se abre, é um rio caudaloso e há de se apoiar em algo. E há quem condene as religiões. Geralmente quem tenha tempo para isso e não tenha passado por, ou quem sucumbiria de qualquer maneira nesse mar tormento, porque nem religião há de ter. Lucidez, coragem ou despreparo?
Ah, as tristezas, vulgo aparições que deram início à série de hoje. Tantas as são, muito mais do que as estrelas, ao menos as visíveis a nós. Há tristezas invisíveis e há estrelas invisíveis. Há sofrimentos solitários, há ruínas escondidas, há tumbas preparadas para o recebimento. Não sabemos a hora, não sabemos quando. Há de estarmos cientes, mas a ciência segue em baixa por aqui. Medição de batimentos. Enfermeira, desfibrilador.
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