23/08/2020

Reflexões acerca do trabalho universal do escritor

Fragmentos aqui intitulados reflexões acerca do trabalho universal do escritor.

O escritor traduzia histórias, sentimentos, reflexões, publicações oficializadas, políticas, o que estava vigente para ser escrito e carimbado para a História. No importante papel de tradutor de épocas para conhecimentos futuros. Uma oficialização a mais em relação aos causos repassados de boca em boca, dos contadores orais, dos velhos sábios para seus novos aprendizes, através das gerações. Ali coube ao escritor deixar registradas versões oficiais, fontes, se não inesgotáveis, mais próximas disso. Trabalhava o escritor para reduzir o pesado consumo da efemeridade, que torna nossos pensamentos, os acontecimentos, os atrevimentos, as coragens, os sonhos, as filosofias tão breves. Contra a brevidade de ausente piedade atuava e atua o escritor.

O escritor traduz desde as versões oficiais para a História, em encadernações cada vez mais vastas e acessadas, até suas subjetividades mais íntimas. Vangloria sonhos, ideias, filosofias vãs ou mais disseminadas e relevantes. Transpõe ao papel de hoje suas glórias e fracassos, histórias suas ou de outrem. Valoriza seu bairro, sua cidade, seu país, ou se arrisca sobre culturas diversas por onde obtém contatos. Se inspira no que vem de fora, em fontes que percebem suas determinantes participações ou mesmo são usadas sem se darem por conta.

O escritor, me peguei a pensar anteriormente, vencia muitos obstáculos nas remotas épocas. Era necessário ter a criação com o aprendizado da língua, depois da escrita e depois ter fontes e métodos para transpor suas escritas. Nem todos tinham papel. Nem todos tinham penas, nem todos tinham tintas. Seu povo era em sumo analfabeto, então era muito reduzido o alcance de suas escrituras. O trabalho era árduo em molhar a pena, passar ao papel, desenhar as letras, esperar secar, molhar a pena, passar ao papel na gravura das letras e esperando secar, acabava o papel, acabava a tinta, não acabavam as letras, passava-se o tempo. Duro o trabalho do antigo herói escriba.

Antes das grandes enciclopédias e dos acessos mais universalizados, como era limitado o alcance cognitivo para o desejoso escritor. Talvez, exatamente pela ausência das referidas ferramentas, ele nem soubesse o alcance que poderia sobrepor suas obras. Não saberia onde pode chegar. Hoje temos acessos seculares, História, Física, Astronomia, Astrologia, Química, Matemáticas, Geografia, Geologia, Linguagens, os mais diversos idiomas catalogados, Esporte, Política, os variados assuntos. Alguns trabalhos dessas épocas praticamente esquecidas são recuperados e atualizados e alavancam prestígios não antes almejados. Outros infelizmente perdem-se pelos distintos e incertos caminhos.

Os escritores tinham maior dificuldade de dominarem mais idiomas pela globalização ainda distante, pelo ensino não universalizado, mas é também de se lembrar e repensar quem tem acesso a essas chamadas globalizações e universalizações. Lados que incluem e lados que excluem. Colchas puxadas para tapar a cabeça e destapar os pés. É de se refletir. Mas, enfim, avançam os cargos poliglotas, os viajantes incessantes, os ensaciados em dividir experiências elevadas ou das mais mundanas.

A leitura também está presente na maioria das pessoas pelos países, a taxa de alfabetização se eleva, os conhecimentos estão mais prontos, embalados, postulados a serem disseminados. Há estantes com livros rotos e totalmente paralisados a acumularem pó, bibliotecas pouco acessadas e outros sedentos em beber cálices de leitura com seus pratos vazios para esta ceia. A circulação do conhecimento encontra várias barreiras, algumas propositais, outras não, não pensadas. Estradas ainda não pavimentadas ou fornecedores que não escoam suas mercadorias.

Aumenta o número de escritores, de jornalistas, de blogueiros, de fazedores de vídeos para passar conteúdo. Aumentam os leitores e sobretudo os visualizadores com seus cansados olhos e cérebros, que dispensam a leitura textual escrita. A democratização, o controle, a orientação pessoal, a orientação política, a vontade ou a inação, o incentivo ou o empate dos governos e desgovernos. Tudo isso pondo a prova o que vai ou não vai ser lido. Ou o quanto vai ser lido. Ou quem vai ser lido.

Os barrados, os censurados, os carimbados de loucos, os financiados, os financiadores, as editoras, os mecenas, os "o que eu ganho com isso??", todos envolvidos nesse complexo processo atual. Aumenta a gama de leitores pelo mundo, mas como está a divisão de conteúdos, a variedade, a pluralidade do que podem ou não acessar? Quantos escritores conhecemos da África, esta já produtora em idiomas que teríamos maior acesso, do português angolano ou moçambicano, aos ingleses e franceses, quantos escritores e escritoras latino-americanos? Quantos de nossa cidade? Quantos produtores, do cordel, do rap, dos repentistas? Poetas, bloggers, usuários de medium? Quanto valem seus trabalhos? Informativos, subjetivos, sufocantes, inebriantes, desconcertantes, verdadeiros, ilusórios?

E pensar que tudo isso que aqui agora escrevo foi por pensar que os escritores de antigamente escreviam sobre outros lugares porque por lá passavam e conheciam de fato, in loco, como se diz. E pensei quem tenha acesso a viajar, quem tenha acesso à escolaridade, quem tenha incentivo a escrever, quem tenha leitores para começar, 5, 10, 20, 50, 100, daqui a pouco lançar algo e 500 cópias e quem vai comprar, e quem vai revender, e quem vai nos ajudar? E quem vai nos salvar de estarmos provando sempre a mesma água salgada neste mar que nunca nos mata a sede? É isto.

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