Iria encontrar seu amigo para rumarem a um bar ali próximo, mas, como saiu de casa cedo, ficou pela expectativa da decisão. Trêmulo, ouvia música nos fones e de vez em quando trocava a posição de braços, cruzados ou estirados, pernas inquietas e pés que iam para frente e para trás, ou mesmo se mexiam ao som do que somente ele escutava. Eis que cruzou um sujeito após determinado tempo ali sentado.
- Não se preocupe, meu jovem. Hoje vamos ser campeões. - Disse o senhor, que familiarizou o papo através da camisa que ambos vestiam. - Já comprei cinco caixas de cerveja e está tudo no meu apartamento. Não há como dar errado. Se não ganharmos, me jogo lá de cima. - E apontou com a chave em direção ao prédio, mostrando que era bem ali próximo.
O jovem apenas sorriu, constrangido com o excesso de detalhes e confiança depositados na fala. Então, surgiu o convite.
- Por que você não me acompanha? O pessoal já está para chegar também.
- Tem certeza?
- Claro, vamos torcer todos pelo mesmo time. Menos o Pedro, que é colorado. Talvez o Jaime, mas seremos maioria e vamos comemorar o resultado juntos. Repito: não tem como dar errado.
Tentou ligar para o amigo que encontraria no bar, mas ele, em deslocamento, provavelmente, não atendeu à chamada.
- Vamos, vamos logo. As geladas estão esperando.
Tentou mais uma chamada enquanto caminhava ao lado do senhor, mas realmente não obteve resposta. Observou a qual rua pertencia o prédio e foi subindo o lance íngreme e estreito de escadarias, sem atentar a qual andar estavam. Era entre o quinto e o sexto, de modo que já estava ofegante na entrada. Foi o dono do apartamento girar a chave e depositar sua jaqueta em um sofá próximo que foi fazer as honras de trazer as primeiras cervejas. Esvaziar a primeira das prometidas cinco caixas. Logo chegariam os demais componentes da mesa à espera do jogo.
Mas os minutos passaram, passaram e a cerveja vinha a fazer efeito. Esqueceu de tentar nova ligação para seu amigo, que deve ter encontrado outro ou voltado para casa. Não entrou em contato ou, se tentou, o próprio, embrigando-se, esteve desconexo da realidade virtual do grupo de mensagens ou da caixa postal que eventualmente cairiam as referidas chamadas. Isolado.
Apenas um jovem rapaz apareceu cinco minutos antes da bola rolar para a grande decisão. Tocou a campainha e o dono não fez cerimônias para levantar-se e anunciar: "deve ser o Richard." Era, de fato, o Richard, um homem negro de aparência bastante forte, com cerca de 30 anos. Richard usava uma boina e repetiu o ato do dono do apartamento ao retirar o casaco e depositá-lo próximo do abandonado antes. Os casacos ocupavam os lugares vagos no sofá. O dono do espaço, que, após muita conversa jogada fora se apresentou como Elton, ofereceu cerveja ao Richard.
- Não, não. Não estou bebendo hoje. Tá, talvez uma só. - Concordou o convidado.
O descoberto por acaso na praça pensou como aquilo era estranho. Ele supor que era o Richard a chegar, mas o próprio Richard não ser muito chegado aos bebericalhos. Mas tudo bem, hora do jogo, autoriza o árbitro e bola rolando em Belo Horizonte.
A partida se desenvolveu de forma nervosa, minutos de ataques adversários, duas grandes defesas de seu goleiro e duas bolas rebatidas, salvadas pela dupla de zaga, o trunfo da equipe. Foi em duas escapadas ofensivas, como contra-ataques organizados, o meio avançando e liberando o ponta-esquerda que o time cantou a vantagem pela taça. Abriu 1x0 no primeiro tempo e decretou 2x0 na etapa final. Havia tempo para reversões, porque o time da casa não se dava por vencido. Descontou e impôs pressão após uma jogada de bola parada, um escanteio. Em caso de novo empate, a decisão iria para os temíveis pênaltis. Mas uma saída inteligente de sua equipe fez com que o terceiro gol sacramentasse a dianteira e assegurasse o reluzido troféus nas mãos dos atletas, comissão e dirigentes. A medalha dourada era deles, a festa fora de casa. A festa no apartamento. Será?
O Richard vibrou no primeiro gol, abriu até sua segunda lata, longe de dar desfalque na promessa das cinco caixas. Se derrubaram uma aquela noite era muito. No segundo gol, o Richard estava na cozinha. Ouviu-se o barulho de ferramentas, ouviu-se o grito de gol do rapazote, da vizinhança, as luzes piscantes dos apartamentos, a comemoração que vinha lá do nível do asfalto. Mas o Richard não parecia interessado em assistir ao replay, nem sequer perguntou se foi outra bucha do Rojas. No desconto, Richard ficou apreensivo, notou que o convidado desconhecido dele não iria relaxar até o fim do jogo. Mas foi o terceiro gol da equipe que consolidou o placar em 3x1 e permitiu a abertura de mais três latinhas, uma para cada membro da esvaziada sala de estar.
O estudante percebeu que ela nem sequer juntaria tanta gente quando lhe foi dito. O Pedro colorado, ou o tal do Jaime, que seriam minoria. Seriam dois contra os dois que ali estavam. Ele era a novidade, não estava programado. Ou seja, precisariam de, no mínimo dos mínimos, mais duas ou três pessoas para tornarem os secadores do time como minoria digna de ser assim classificada. Naquela sala, seis pessoas seriam o estouro dos lugares, só se trouxessem seus banquinhos ou cadeiras de praia, ou não iria rolar.
- E o que aconteceu com o pesso - PAAAAULLL. O som do porrete que Richard lhe acertou soou como o nome do beatle mais famoso das últimas décadas. O jovem tropicou para frente, praticamente sem reação, tentou levantar os olhos, tentou levantar a cabeça, mas ela doía tanto que só conseguiu ver os sapatos do suposto Elton e do negro Richard virem para perto de si. - Malditos.
- Eu só torço pelo time local, Marcos. - Disse Richard. - Maldição de taça da capital.
- Faz parte - disse Marcos. - Mas eu até que gosto deles. Estava matando somente os rivais nos últimos anos.
Ambos riram.
Olhou os bolsos do estudante. Cartão estudantil do banco estadual. Carteira de identificação na portaria da universidade. Carteira de identidade. 19 anos. Se havia 15 temporadas de jejum, o coitado não havia visto alguma taça daquela relevância ainda.
- Ao menos comemorou os três gols como se fosse o último jogo da vida dele.
Ambos riram. E seguiram carregando o corpo. Richard livrou-se do celular, que recebia mensagens e mais mensagens, felicitando pela conquista da taça nacional.
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