25/12/2019

morro dos lobos uivantes

Em meio aos fogos de artifício e demais explosões, latidos de cachorros confusos e assustados, carros em trânsito irresponsável, sons altos, música que adentra madrugada, o silêncio. O silêncio dos suicidas. Acompanham e transpassam e esvoaçam espiritualmente até meu recinto. Sinto-lhes e ouço-lhes e, para quem os sente e os ouve, são mais ensurdecedores do que tudo o que foi mencionado acima.

Evitam que eu me largue ou me abandone uma meia dúzia como se dessem as mãos e envolvessem o tronco de uma árvore centenária que seria (ou será) cortada pelo inestimável progresso, segundo alguma construtora ou mesmo a administração pública local. Eles a cercam e prometem grandes greves e protestos para mantê-la ali intacta como sempre esteve centenariamente, de forma ininterrupta. Mas até as aparentes grossas raízes tombam.

A depressão era, há alguns anos, um lobo solitário à beira de algum penhasco distante. Uivava e eu ouvia. Uivava e eu ouvia. E não dava bola. Era apenas um uivo em qualquer lua cheia ou minguante ou crescente surgia. Mosquito insociável que vinha tentar a sorte sozinho e era facilmente esmagado quando identificado após interromper meu sono e fazer-me acender a luz da lâmpada de cabeceira. Fácil derrotá-lo.

Pois o lobo esquivo mostrou-se fiel oponente e insistente a emitir seu brado contra o céu noturno; ele sempre me alcançava. Com o passar do tempo, esse lobo, através de seu inconfundível gemido, ganhou companhia e hoje sinto como se formassem um agrupado de quadrúpedes insaciados, matilha que me cerca e a qualquer momento pode me devorar.

Seus caninos estão à mostra, as bocas espumam e me quedo paralisado. Estão à minha frente, esquerda e direita e às costas tenho somente como que uma montanha íngreme demais para ser escalada. A vida começa a demonstrar desafios e imponências demais a troco de pouca recompensa. A única saída é atirar-se de escassas e sangradas unhas e ponta de sapato para firmar-se nessa escalada. Sem outra alternativa, sem maiores equipamentos de segurança, nem emocional nem financeira, na conduta que segue e povoa a complexa arquitetura do palácio das incertezas.

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