Pude folhear o livro por várias páginas e vários anos nas palavras lúcidas e literais do uruguaio Eduardo Galeano, este exemplo de sul-americano que havia deixado nosso mundo há pouco tempo. Pelos caminhos em que ele descrevia a história do futebol, mergulhei-me à modalidade esportiva da leitura em local público, uma de minhas preferidas.
Conforme deixei com que os minutos seguissem seus habituais caminhos, vi-me diante da troca incessante de pessoas ao redor. Tanto atravessavam rumo a seus mais diversos objetivos, quanto sentavam-se e logo iam-se embora. Uma ex-colega minha acomodou-se próxima a meu banco com sua amiga. Não viu-me ou viu e fez questão de parecer que não, em comum acordo com minha decisão.
A amiga da conhecida dissertava sobre antigos autores brasileiros e sobre os métodos impostos das universidades em analisá-los e como trabalham as respectivas obras. Sobrou críticas a José de Alencar e a outros, os quais não fisguei os nomes.
Adiante, precisei fechar o livro de alaranjada capa e rumar também de volta, em direção à Avenida Bento Gonçalves. Pelo centro do coração da praça, duas modelos posavam em tentativa de dar holofotes ao acinzentado ambiente. Observei de relance às câmeras fotográficas e notei que uma das moças, ao chafariz, tinha em mãos um algodão doce. Como são estranhas as poses de modelo enquanto as outras centenas de pessoas em movimento posam sem querer em composições de maior realidade!
Passei, enfim, por uma das alamedas das quais menos gosto, mas que costumeiramente é agraciada pelas dedilhadas em cordas improvisadas pelo músico de rua, Serginho da Vassoura. No tempo fechado, ele não deu às caras naquela tarde.
Após a abertura da sinaleira aos pedestres, caminhei para o prosseguir dos calçamentos em paralelepípedo de um trecho de rua destinado somente aos transeuntes a pé. Calçando meus fones de ouvido, precisei parar para contemplar a cena à minha direita.
Concentrada em sua atividade, uma senhorita praticava em ordenhar música do violino em suas mãos. Envergonhado por permanecer com os fones de ouvido, fiz questão de sacá-los pelos instantes em que cruzei sua reta. A canção antes em meu aparelho, dezenas de vezes já reproduzida em rádios locais e no meu próprio celular, agora não fazia diferença.
O diferente era acompanhar as oscilações do violino de maneira inédita, conforme já poderia ter ocorrido de forma semelhante, mas jamais idêntica e em mesmo local. A reprodutibilidade das artes é tema do autor Walter Benjamin. A desvalorização do processo pelas repetições e repetições e a raridade não mais encontrada nesses encontros.
Porém, naquele dia de início de outubro, a invasão do jamais antes presenciado em meio à travessia, fez com que meus olhos e ouvidos parassem por detalhados segundos. Surdo ao entreter de antes e atento ao número desempenhado pela moça, fitei-a a aplaudir com o olhar.
Nada fiz, confesso, a mais do que isso. Desejo-lhe, se assim investe, a ter mais moedas na capa que envolve o violino quando ela não o toca. Desejo aos demais, momentos únicos, mesmo simples, como esse que vos narro. Para ela, saúde, física e espiritual, para representar mais performances afinadas durante o executar dos caos urbanos.
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Alameda na Praça Coronel Pedro Osório (Foto: Henrique König) |
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