27/10/2014

Domingo D+4

E saí de casa solito, na esperança de encontrá-la. Não sei se ela ou a vitória. Eram duas belas meninas, de todo o modo. Concreta, visível em pele, ou abstrata, no sentimento de cada um envolvido. De todo o modo, era para terminar saboreando o fim de tarde de um domingo de um calor infernal sobre os concretos da cidade quase grande.

Longe demais das capitais eu estive caminhando, quase em linha reta. A geografia das ruas permitia tal traçado em direção à ela (a vitória). Ouvia minhas escassas opções de rádio FM, após já ter escolhido facilmente as escassas opções de candidatos na eleição. Era o segundo turno para governador e presidente. O candidato estadual de minha preferência já havia perdido quando deixei minha casa com os fones de ouvido. Diferentemente do conformismo da primeira "derrota", a segunda apuração era uma decisão mais antagônica, importante. Minha candidata precisava vencer. Obrigação na cartilha para curtir as próximas horas. E os próximos anos.

Caminhei e andei e andei ainda mais um pouco e o horário da divulgação da apuração, 20 horas, não chegava. O sol obedecia ao ciclo e quedava aos poucos para seu esconderijo. Não sabia mais se os óculos escuros eram necessários.

Já dobrava para a rua decisiva, enquanto na calçada oposta um trio de jovens, um deles com o violão em mãos, cantava Jota Quest: "e se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou". De longe, avistei duas camisas de cor muito semelhante à minha. Ao descobrir o bigode conhecido de um colega universitário, rumamos juntos pelo centro. Agora três camisas de tons quase idênticos e com o mesmo voto no coração por baixo delas. Altos papos de política até o apartamento do amigo daquela noite.

De lá, aguardamos a apuração. O colega de ap. dele, reclamando de pressão desregulada, estava com um notebook para conferir o resultado do clímax dominical. Ele, também eleitor de mesma escolha, aborrecia por sua falta de emoção/expressão enquanto anunciava algo de importância comparável a um teste de DNA. E deu ela. Deu ela, sim. 95% das urnas brasileiras apuradas. E 96%. E 97, 98%. É TETRA!!!!! - infinitas exclama ações.

Papeamos mais um pouco sobre futebol interiorano gaúcho e política de parâmetro local e nacional antes de sair às ruas. O comitê, antes ocupado por somente meia dúzia de gatos pingados com o sol ainda a martelar, agora estava tomado. A quadra destinada aos satisfeitos e contentos com o resultado recém saído do forno (literalmente, pelo calor do cão).

A cuia passeou ainda mais algumas vezes por nossas mãos e a erva caliente por nossos bicos antes de acabar o conteúdo da mateira. Um papo ali e outro acolá, do outro lado do mar de bandeiras vermelhas para contextualizar o significado vitorioso. Trocar mais ideias com gente que, na ampla questão, concordava em maior grau conosco. Em meio a isso, procurei-a com olhar inquieto. Achei outras vistas apreciáveis, mas não ela. Somente os olhos e sorrisos da outra menina apareciam: a menina vitória.

Um papo com um paulista que hace artes visuais no pampa gaúcho e está terminando o curso. O estado de São Paulo vive a seca da água e a seca da ausência de um governador de esquerda no estado. A primeira seca recente, pega todos de calças curtas como informação bombástica. A segunda se arrasta por anos e permanece mais quatro. Mas para presidente, apesar da pequena votação lá em SP, a situação segue diferente ao Brasil. Para melhor.

Ele me conta que chegou à nossa Universidade local pelo ENEM. Foi um dos primeiros contemplados, lá em 2011, sendo a Federal da cidade uma das primeiras a aderir integralmente os ingressos pelo Exame Nacional. Agora, próximo do fim da jornada nestas terras, o jovem diz que já consegue financiar apartamento em São Paulo com o programa de assistência à moradias. Vir para cá e estudar com o dinheiro dos impostos foi possível. Voltar formado e com auxílio no custo do imóvel também é.

Entre outros olhares de quem imagino boas histórias e motivos de estarem lá em comemoração, temos negros e negras, bandeira LGBT, bandeira com as cores que simbolizam as lutas femininas. Temos crianças influenciadas pelos pais. Crianças que tomara tenham um futuro melhor para seus futuros filhos. Temos motoristas de ônibus ilhados provisoriamente pelas olas embandeiradas. Uns buzinam. A maioria deles se manifesta, na verdade. Adesivos em carros do ano (?) e em bicicletas.

A cerveja de marca gaúcha desce rápido. Rápido, antes que esquente. Vejo mais crianças, mais gente alegre. Quem não pula é comparado com uma ave da fauna brasileira. A multidão começa a dispersar e me disperso em um turbilhão de assuntos e pensamentos, colecionando algumas certezas como adesivos de candidato. Assim, também volto para casa.

Os ônibus não vem, mas acerto as teclas do celular e consigo carona. Eu tenho carona, nem todos têm. Concluo, dessa campanha encerrada, que meu voto não é só por mim. É pelo estudante com o sonho das artes, é pelas empregadas e empregados que saíram a comemorar no domingo à noite, pelos LGBTs com suas bandeiras e direitos, pelo boné que vi dos sem-terra, pelas minorias sociais em geral. É por melhor condição de serviço e salário dos motoristas e passageiros de ônibus. Não é só por 20 centavos. É pela maior humanização ao meu redor.

Divulgação do site Catraca Livre

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