08/01/2025

Reflexão após Um Dia na Rampa (1960)

Me interessa o ser humano apaixonado e verdadeiro, desnudo dos disfarces do cotidiano, em que deve fingir para proteger seu emprego, fingir para discursar vantagem, fingir para aparentar normalidade, fingir para não chamar atenção das autoridades que o podam, fingir para caminhar pela multidão, fingir para ser bem avaliado no aplicativo, fingir para vender produto, fingir que gostaria se vestir assim, fingir que assim está bom.

Me interessa o ser humano despudorado com suas verdades, com seus gostos, mesmo ridículos e considerados ruins, manifestos, me interessa suas falhas e passo a entender melhor as minhas. Me sinto menos alien, menos alienado e menos sozinho. Me interessa que suas buscas não cessem e que na outra esquina o lampião ou os mais modernos postes a led se acendam. Ou não se acendam, mas que possam se acender.

Não me interessa o fingimento dos negócios, a capa que somos obrigados a vestir quantas horas por dia, quantos dias no mês, quantos todos meses de um ano, quantos anos na vida? Não me interessa o fingimento que é ordem, que é lei, por sobre as leis de nossa natureza, capa invisível, mas que visualizo tão fácil em ti, sorriso difícil, olhos tristes e desesperançados, não me interessa o que te causa isso, me interessa tirar-te disso. Me interessa o ser humano ainda esperançoso, que chegue ao fim do dia agradecido e ao mesmo tempo esperando que na outra esquina o lampião ou o poste a led se acenda, que a colheita valha o vigor de seu esforço, que a mesa farta não seja só a obrigatoriedade da refeição. Me importa que seu sono seja sonho e que seu sonho possa ou não ser realizado, mas que a possibilidade esteja a teu alcance, que possas acreditar tatear a parede no escuro esperando encontrar o interruptor que o salve da escuridão. Ou talvez encontre a mão amiga que necessites. 

Me interessa que teu céu tenha estrelas, ou quando não tenha, que saibas esperar as nuvens dissiparem, a chuva parar e que até dela tenhas colhido água. Me interessa que te hidrates e bebas e nutra teus sonhos, não demais também, que não percas contato com tão vasto solo, que nos é tanto, os japoneses creio que sabem.

Me interessa do ser humano que seja humano e não engrenagem do capitalismo ou outros achismos que comandam a vida dos outros. Me interessa que assumas um pouco o timão de teu próprio navio e ao final vejas, e talvez até compartilhes, algo que ninguém mais viu. Não o que todo mundo tenha visto - pois nem queriam ver.

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Acredito que quando respeitados os desejos e o direito de sonhar do ser humano, incluso este mesmo indivíduo se sinta assim mais humano, possa ser mais bondoso e não tão automático, não tão somente concorrente contra seus semelhantes, não somente um instrumento de usufruto dos mais poderosos. Acredito que respeitado o direito ao sonho, este possa olhar com mais carinho para seus semelhantes, possa desejar que eles também sonhem e, alcançando, desejar que os demais alcancem, em uma aliança até utópica - corrente do bem.


Direção do curta: Luiz Paulino dos Santos

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