Em um filme francês chamado "O que está por vir" algumas reflexões me chamaram atenção. A filosofia que a professora (interpretada por Isabelle Huppert), personagem principal da película traz: sobre a expectativa da felicidade, o almejo ser maior do que a própria felicidade quando esta chega. Eu já havia pensado a respeito desse assunto, mas esse filme trouxe novamente à tona.
Na vida da personagem principal, as expectativas são frustradas constantemente. O casamento de 25 anos a ruir, os filhos não serem exatamente como ela imaginava, como o menino brinca em uma passagem que o aluno dela era o ideal intelectual e físico que ela almejaria no próprio filho. Mas, como dito, o filho não atingiu esse ideal, seja este existente ou somente deboche do descendente. A mãe dela, má de saúde, delira e flerta com o suicídio. Acredito que os adultos não imaginem que cuidarão de seus pais após anos sendo cuidados por eles.
A gata da mãe da professora é somente um gato comum, chamada Pandora (esta de pronto me recordei do nome). Pandora é aquela mescla entre dependência e independência dos gatos. Percebo agora que ela sempre está contrariando os planos da professora. Quando é levada ao mato, desaparece e preocupa a personagem principal, mas pelo dia seguinte reaparece e com a caça feita de um camundongo, revivendo seus instintos e surpreendendo a surpreendida.
Quando a professora vai conviver com os intelectuais alemães mais jovens, juntamente com seu estudante favorito, em uma casa afastada de Paris, para os campos, ela possuía uma expectativa, mas que novamente é quebrada. O filme inteiro circula por situações cotidianas assim. Ela se vê na encruzilhada da idade, passados os 40 para os 50 anos, sem mais o casamento que lhe parecia estável, com os filhos em idade de adolescentes a adultos, a mãe dela idosa, somente por desfazer o nó que a separa da promessa do céu.
A expectativa, a ânsia pela felicidade, a busca por um ideal, assim são transformados seguidamente. Provavelmente não é o que a maioria das pessoas em vivências classe média esperam naquele degrau de idade. Flertam com a estabilidade, com o conforto de lares, com refeições seguras. Esse tipo de coisa. Quando ela se aventura em desventuras mais alternativas, em moradia comunitária, sente-se só e distante dos companheiros e da própria vida. Vida que era seguramente sua, palpável se possível, em questão de poucos dias atrás.
Cometo o terrível equívoco de esquecer de mencionar que a personagem é professora justamente de filosofia. Então o filme aborda muitas vezes as incongruências entre o pensar e o fazer. Entre a teoria e a prática. Esse tipo de desavença, muitas vezes hipócrita, cerceava inclusive a vida dos próprios autores. Ou seja, nem eles viviam a pleno o que escreviam. Sendo assim, como os desalinhos não vão aparecer na vida de pessoas surgidas décadas depois?
A transformação do mercado de trabalho. A professora-escritora que parecia segura no modo empregatício, criticada pelos jovens marxistas pelo seu estilo burguês, de repente começa a ser rejeitada pela sua editora. O motivo: seus livros já não são mais tão vendáveis. Não interessam como antigamente. Reedições estão fora de cogitação. Novos lançamentos precisam ser de fácil degustação para leitores fastiados e pouco aprofundados. Tapa de luva em nossa personagem.
E o que está por vir? Nada disso do que passou. Talvez o embalo de um neto em seus braços em noite natalina seja o suficiente. Talvez. A vida se adapta e termino o texto me sentindo uma espécie de Martha Medeiros conversando com outras professoras de filosofia divorciadas na faixa dos 50 anos. Mas não é o específico ou exclusivo público-alvo. Absorvo muito a me deparar com vivências como essa. E me adapto, como devemos nos adaptar, ao que me cabe de aprendizado e experiência.
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