22/02/2022

Casa em frente ao mar

Uma casa sendo construída em frente ao mar. Ela não está pronta, está sendo erguida. Será um sobrado, o que bloqueia mais a minha vista para o mar naquela direção. Estamos na quadra de trás. Nosso prédio não tem obstáculo imediatamente à frente. À frente está um terreno baldio bastante largo, onde três éguas pastam com uma deliciosa missão de evitar um crescimento desordenado de mato e arbustos. Elas têm se saído bem. Se imediatamente à frente não temos obstáculo que obstrua a visão marítima, para os lados temos a vista de casas erguidas. Erguidas de frente para o mar.

Este sobrado está com o formato pronto. Faltam os acabamentos, como é de se esperar. Do contrário seria só um esqueleto acinzentado. Varios homens estão responsáveis pela obra. O responsável maior, digamos, é um engenheiro de meu sobrenome. Estranha coincidência por estas bandas. Para alguns operários, talvez a maior oportunidade para estar próximo do mar, nesse contato que tantas energias nos despertam. Podem ter vindo de longe, do interior. Podem estar ocupados o suficiente em outras chances, não tendo um fim de semana digno para contemplação, visitação e acolhimento junto às salgadas águas. Uma visão um pouco dramática de minha parte. Porém, não deixo de pensar nesses homens que ouvem, veem, mas estão impedidos de sentir o mar, ali defronte. Trabalham sol a sol, mormaço a mormaço, bronzeiam suas peles, mas não sobre a areia. Remexem o cimento e pavimentam a escada de ligação deste sobrado. Calçadas e concretos.

Do alto de nossa sacada, nem tão alta, segundo andar, os observo sem a definitiva atenção que os pudesse identificá-los ao longe ou ao perto, sem ser o único atrativo, porque realmente mais tempo eu passo olhando diretamente o mar. Mas eles não podem sequer parar muito a obra para apreciar a vista. Precisam cuidar dos materiais, do cimento no ponto certo, da colocação austera. Fico entristecido pelo tão perto tão longe de suas rotinas. Por legislação, parece que nada os impede de terminarem o turno e pularem direto na água, em um fim de tarde/ início de noite. Mas não os vejo nem consigo imaginá-los muito nesse desfecho. Devem direto às casas, direto aos banhos. De chuveiro.

É como se a praia, de construção tão rica, em frente ao mar, fosse restrita aos mais endinheirados. Não sei se é esse o código de conduta. Provavelmente não é. Provavelmente só eu demore tanto tempo a devorar essas questões, que na verdade elas me devoram. Meu pai encerraria esse monólogo todo de uma forma bastante simples.

"Melhor estarem ali trabalhando de frente para o mar do que não estarem trabalhando" - falaria com a experiência de quem já trabalhou e de quem já ficou sem emprego. Com essa frase dele, sem mais delongas, aqui encerro.

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