Queria ser uma pessoa que não gostasse tanto de estatística, embora às vezes elas sejam apenas estatísticas descontextualizadas. Para quem está lendo este texto pelo meu blog, percebo orgulhosamente que é a postagem de número 900, sendo que temos pelo menos 45 rascunhos em uma lista de espera que lembra muito os concursos públicos em que o pessoal passa e jamais sabe quando será chamado para compor a vaga pela qual teria direito. Enfim, mas vim aqui para falar que gostaria muito de ser uma pessoa que focasse em apenas uma boa ação e a executasse com fluidez, com perseverança, com entusiasmo e êxito. Mas não é meu caso.
Balanço pelas ações pendulares da vida, sempre lendo, sempre observando, sempre querendo conhecer mais e mais, mas considero que pouco me aprofundo. Mesmo o futebol, o esporte em geral, que hoje me designa um emprego, não me descem tão a fundo. Faço pouco mais do que o necessário - talvez até menos do que o necessário às vezes. Se está muito vaga ainda a ideia deste texto, deixe-me exemplificar. Uma pessoa que se proponha a ajudar idosos e monte um pequeno centro, um centrinho para atender uma dúzia de idosos, esta pessoa está prestando um serviço essencial, glamouroso, fundamental para pelo menos essa dúzia de idosos para os quais os serviços são destinados e, ainda mais, está ajudando as famílias deles, se é que as possuem. São cuidados necessários, básicos, a alimentação, a saúde, o mínimo de satisfação e de, quem sabe, entretenimento. Todos precisamos. Alguém que destine muitas de suas 24 horas por dia para esses serviços está alinhavado com os melhores princípios cristãos de existência sobre essa Terra. Ou estou errado?
Mas até o presente momento não me entendo assim. Eu já trabalhei por um tempo com lar de idosos e outro pequeno tempo também com crianças em vulnerabilidade social. Minhas dificuldades presentes na neurodivergência (ou neurodivergências) que possuo acabam limitando minhas ações para com essas campanhas, locais, auxílios. Em resumo, tenho muito boa intenção, mas pouca execução. Enfim, poderia ajudar em campanhas textuais - não têxteis, visto que nem a costura me seria uma possibilidade - em divulgações, em conversas, em um poder de persuasão e convencimento que ora me aflora. Às vezes um político. Poderia ser este meu papel no mundo? Visto que, para além de idosos e crianças, acho importante ressaltar minha compaixão, minhas sinceras condolências por cães e gatos de rua, animais selvagens, florestas e outras vegetações devastadas pelo bicho homem, moradores de rua, pessoas em geral em vulnerabilidade alimentar, órfãos, doentes terminais, pessoas que necessitam de tratamentos de urgência ou de preço não-condizente com suas realidades financeiras. É muita gente, é muita ajuda que o mundo urge, pede, grita por socorro. São os avanços na medicina e na saúde que ao mesmo tempo nos sugerem uma imagem de tão perto tão longe. O que isso quer dizer? Que muitas vezes parece possível um dado tratamento específico, especializado, mas o preço que se paga, este às vezes é alto demais. Os esforços. O deslocamento de pessoas do interior para capital. E da capital de volta para o interior. E, vejam bem, outra segunda-feira e outra vez do interior para capital. E da capital para o interior. Acompanhantes que sacrificam suas vidas por familiares ou como voluntários, como anjos, em seus entre aspas tempo livre. Pessoas que batalham severamente, turno a turno, dia a dia, no turno inverso do trabalho que as remunera. Cuidadores, tratadores, acompanhantes, dos bebês ao anciões de 90 anos.
Todos esses exemplos citados creio que enumeram possibilidades de estarmos quites com os encargos da consciência, com as metas a serem estabelecidas e cumpridas sobre a Terra, nos princípios cristãos ou seja lá quais forem os seus princípios. Há muitas formas de ajudar: mas qual é a minha? Eu que, por piedade, poderia me encontrar em qualquer um desses ramos, desses nichos, mas que, por atuação efetiva, me vejo distante do auxílio fundamental, apegado, aguerrido, dos esforços hercúleos nessa batalha constante pela sobrevivência, pela dignidade, pelo mínimo, pelo básico, ou por aquele algo a mais que pode estar em um presente de Natal, em uma campanha de Páscoa, em um aniversário especial para uma pessoa ou para uma instituição - que atenda pessoas. Doações para campanhas, doações para cumprir a meta de uma cirurgia, doações para ajudar os voluntários a combater chamas, donativos para familiares que acompanham um doente terminal em um hospital de onde não é sua cidade. Onde me encontro nisso tudo?
Será que tenho responsabilidade sobre tudo isso? Qual o meu salário? Quem me ajuda? Como me ajudo? Mesmo neurodivergente, tenho saúde o suficiente? Por ter ainda dois braços e duas pernas, estou de aparência saudável para todas as ajudas e encargos? Qual o meu papel nisso tudo? O que os donos de grandes corporações e empresas estão fazendo? Patrocínios para quem? Investimentos onde? Para onde estamos caminhando, para um mundo associativo, de combate à miséria e à fome, ou para o aumento dela, em níveis totais e talvez também percentuais. Em níveis de desigualdade, de quem tem, tem muito e quem não tem, o que faz? Como sobrevive? Como se ajuda? Como essa pessoa será ajudada? Como eu posso ajudar? O que farei, ao final deste texto? Enquanto posso me dar ao luxo de pensar, refletir, filosofar sobre, mas a pessoa em si, que necessita minha ajuda, tem pressa, tem fome, tem, talvez, escondida em algum bolso se não rasgado, a esperança. O fluído do tempo nos pressiona. A consciência permanece incauta em nosso encalço. Eu, por ora, preciso cumprir minha página diária. As últimas do esporte. Em "Piano Bar" dos Engenheiros do Hawaii, Gessinger sugeriria ainda a "hora certa, os crimes e a religião". E disso tudo que fiz, de tentar explicar, que permaneci indignado comigo mesmo, será de tudo isso que ainda o meu "nada" é uma palavra esperando tradução?
Enfim, como resumo, gostaria de me sentir mais útil em uma única função de resultados efetivos, ao invés de vagar e vagar sem sentir essa construção toda. Mas também sei, oh, sei bem, que não me sentiria bem restrito a um único ofício, enquanto minha cabeça vagueia imaginando diversas e mais diversas possibilidades. Assim tento me manter em movimento, surfando essas ondas, saboreando o vento e tentando não me desanimar por completo, entre a busca por uma 'utilidade' em um todo que ainda me soa inútil.
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