18/11/2020

Política em diferentes locais

Busco nessas linhas somente o esboço, sem cientificidade, por mais que ela seja luz nesses tempos sombrios. É o que chamam de ensaio? É colocar no papel para literalmente não perder de vista. Estive conversando com a companheira Lara Crochi de Arroio Grande. Debatíamos e discutíamos questões sobre o domingo de eleições no nefasto ano de 2020 (por várias causas, como imaginam). Entre derrotas, mais derrotas e uma ou outra vitória, abordávamos os panoramas políticos locais e nacionais, em um domingo em que a ênfase tinha passado pela chegada de Guilherme Boulos ao segundo turno em São Paulo, com o PSOL, de apenas quatro prefeituras ganhas pelo país inteiro, mesmo assim chegar "na final" da maior cidade da América Latina, um campo de visibilidade vasto, um extenso tapete para propor ideias, debates e consciência política na população paulista e brasileira e, por que não? latino-americana.

Mas para além do Boulos dessa comemoração (fique aí, mesmo que não tenha mais Boulos ao convidado), para além do candidato do PSOL, concorrente no segundo turno, nossas reflexões, minhas e de Lara, passaram sobre as diferenças entre a política nos grandes centros (como em São Paulo) para os pequenos centros (como em Arroio Grande).

Muitas vezes tracei conversas sobre política com pessoas de outras grandes cidades brasileiras e elas buscam trazer um panorama da situação. Seja em Recife, em Belém do Pará ou no Rio de Janeiro. Um bom panorama poderia vir com o amigo Lucas Andrade, de Minas Gerais. Fica para uma próxima. Mas Lara conversou rapidamente sobre a esfera política de Arroio Grande, cidade próxima a Pelotas e mais próxima ainda da fronteira uruguaia, tendo somente a limítrofe Jaguarão mais além, antes das terras consideradas charruas. A cidade de AG, considerada pequena em sua constituinte, apresentou três candidaturas para prefeitura. Lara me explicou alguns prós e contras específicos da cidade.

Durante o domingo eleitoral, pesquisei diferentes municípios gaúchos e, se mais tempo me houvesse, pesquisaria as demais situações brasileiras, ao norte do nosso RS. Pesquisei motivado, confesso, em busca de emoções, que viriam através de corridas eleitorais parelhas, disputadíssimas, com diferenças de voto a voto, em um sistema em que cada aperto do botão "confirma" na urna traria grandes consequências.

Consequências. Essa talvez seja uma das palavras-chave neste texto. Em cidades menores, como é o caso da referida Arroio Grande, as consequências dos atos políticos são muito mais palpáveis para a população. Meu pai costumava mencionar que a cidade (de Pelotas) é muito grande e não havia como agradar a todos os lados. Era uma forma conformista dele mencionar que ninguém governaria para todos os setores da cidade, aqui pensados no caso geográfico. Ou seja, um prefeito ou uma prefeita poderiam, por exemplo, investir mais no bairro das Três Vendas do que no Areal. Ou mais no Centro do que na praia do Laranjal. Hipóteses para a afirmação de meu pai. Embora a discussão possa ser ampliada para investimentos em diferentes classes sociais, funcionalismo público, etc. Mas aqui, nesse parágrafo, o intuito foi a afirmação geográfica de espaço urbano (ou rural, se fosse o caso do exemplo).

Pensar nas consequências implica saber que, em uma cidade menor, cada ato de tentativa de virar votos, de tentar conquistar eleitores pelas menores causas que sejam, pode trazer consequências significativas. Observamos casos de cidades que tiveram suas eleições decididas por 200 votos, 100 votos, 30 votos! Uma rápida busca no TSE pode confirmar essas projeções. É assustador como o futuro, o destino de uma cidade, seja qual for sua relevância para quem observe de fora, pode ser decidido por detalhes. Pode ser decidido porque dona Maria não compareceu à urna, porque seu Antônio, nesse caso de 2020, teve sintomas de covid-19 e preferiu ficar em casa, conforme era recomendado que ficasse. Ou porque Moisés, que estava prestes a decidir o seu voto, acabou ficando em cima do muro. Não escolheu quem o representaria, quem lidaria com as contas, com os gastos, com os orçamentos públicos pelos próximos quatro anos. Terá que esperar, mais consciente se quer acreditar, mais quatro anos para decidir o seguinte voto municipal.

Se pensarmos na corrida para vereadores, a coisa fica ainda mais acirrada. As cadeiras são preenchidas por detalhes dos detalhes, porque Matheus fez campanha ou porque Ângela não fez. Porque o senhor Wilson foi convencido, enquanto dona Carmen preferiu ajeitar as coisas da sua vendinha naquele final de semana, da "festa da democracia". Pois é, nem todos participam e as consequências podem ser grandes. Quanto menor as cidades, mais chances a escolha pessoal tem efeito nesses casos. Apesar de, olhando o todo de nosso Brasil, essas cidades menores pareçam pouco relevantes aos olhos dos capitais. Mas, é importante lembrar, essas cidades são o berço, são tudo que algumas pessoas têm. Elas precisam abastecer e desabastecer seus comércios, buscarem a sobrevivência, colocarem suas forças trabalhistas a serviço da população em troca do suado dinheiro, o cash, o que será trocado por outros serviços e assim sucessivamente.

Ainda no campo das consequências (falei que aqui seria palavra-chave, não falei?) podemos pensar na relevância de cada obra feita. Aquela rua que ganhou um calçamento de 300 metros, mas que assim contemplou lá dona Maria e seu Antônio, essas pessoas, agraciadas pela deslumbrante civilização, poderão comparecer à espécie de caixa eletrônico e ali depositar seu agradecimento em voto, rumo à reeleição. Ora, por que vocês acham que tantos prefeitos e hoje tantas prefeitas são reeleitos? São a partir desses desarrollos.

Mas ainda no campo das consequências, pensamos no lado das mobilizações políticas por meio da transparência, da cobrança e da investigação. Em cidades menores, qualquer ato ilícito dessa parte vindo dos governantes, quando há o poder de fiscalizar e do impostor cair na malha fina da prestação de contas, quando isso é possível, o escândalo é certeiro. Não será reeleito. Mas, porém, todavia, entretanto, não é tão simples como, me desculpem, fiz parecer. Em templos coronelistas, muitas vezes é difícil mobilizar uma oposição que conclua essa árdua missão. É preciso coragem, é necessário saber com quem se está lidando. Há nomes poderosos nessas pequenas cidades e que jamais são derrubadas. Como esquecer da eterna Sucupira de Dias Gomes, do coronel Odorico Paraguaçu? Rendeu tantos contos e linhas porque não era facilmente derrubado, ninguém o tombava, apesar dos pesares.

Em cidades pequenas, é preciso quase sempre da interferência externa, por mais que isso consterne parte do policiado ou da população local. Intervenções federais, nesses casos, muito podem ser bem-vindas. Há escândalos que transpassam as resoluções locais. Entre essas consequências de investigações, de imprensa atuante, de portal para transparências, outro ponto é como o denunciante, o pivô das intrigas pode ser protegido. Não é fácil lidar com o faroeste brasileiro, mais atual do que nunca. Se as bolas de feno ou cascalhos não saem rodando pelo areal da via única em cidade formada por estabelecimentos com portas de vai-vem, ao menos os princípios do bang bang e do silenciamento, da lei do gatilho mais rápido podem ser observados em diversas cidades brasileiras. Torço por proteções, sejam divinas ou da tal da Justiça (haha) nas cidades que imaginei nesse pequeno bloco de texto.

É difícil mobilizar pessoas a fazerem uma oposição ferrenha, ativa, participativa, quando as consequências por seus atos, denúncias ou mesmo durante as investigações podem ser interrompidas de formas catastróficas, violentas, fatais. A lei do gatilho mais rápido, como referi, acaba silenciando e sepultando o trabalho de jornalistas, advogados, juízes, políticos opositores, funcionários públicos, quaisquer denunciantes que façam questão de meter a cara em televisão, jornais impressos, panfletos ou mesmo os anônimos que correm severo risco, priiiincipalmente em cidades pequenas, de serem descobertos. Quem pode saber disso? Fulano deve saber disso. Fulano trabalhou naquele departamento irregular, naquela obra, naquela licitação, naquele licenciamento criminoso, naquela fraudulação, naquele consequente escândalo. Denunciar muitas vezes é fácil, o problema é lidar com a diaba da consequência.

Quem tem guarda-costas? Quem tem as costas-quentes? Quem pode executar, de fato, o seu trabalho? Sejam postos aí cargos como jornalistas, advogados, juízes proferidores de sentença, todos possíveis corruptos, aceitadores de subornos, de acordos amigáveis para receberem parte do bolo de dinheiro irregular (e não é que teve bolo ainda no texto?). As pessoas podem aceitar simples acordos para manterem o bico calado, ou podem levar até o fim as denúncias e arcarem com pesadas, severas, não previstas em lei, consequências.

Aí está uma diferença capital entre a política realizada nas capitais e nos pequenos centros, nas menores cidades. Parecem resoluções simples, mas há muito do jogo de parentesco, de históricos coronelistas, de lavagem de dinheiro, de promessas infundadas, de voto de cabresto, de cargos de confiança, de funcionalismo público contratado, de corrupção sob o sol, nada de novo neste fronte, de conversas a salas fechadas, de acordos, de mãos que lavam outras, de mãos que se apertam e apertam de rivais e de esquecidas borrachinhas de dinheiro ou multiplicações de zero em contas correntes. Às vezes é tão evidente como a cena gravada do vice-prefeito de Joaquim Nabuco, cidade no interior de Pernambuco, em que o magnata arremessa notas de dinheiro como se fosse o próprio idoso portador de microfone gigante de lapela do Sistema Brasileiro de Televisão.

Às vezes as cidades pequenas são muito mais complexas do que imaginamos.

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