18/05/2018

Fins (de semana)

Minha tia fofoca na cozinha. Sempre sobre as mesmas pessoas e raramente sobre outras. Não sei aonde leva esse assunto. Não sei aonde leva a loucura e a lógica do sistema. Cheguei em casa e suo mais nas mãos agora do que enquanto caminhava à alta velocidade.

Um amigo de infância confidenciava entre uma de nossas primeiras rotas traçadas a pé e sem supervisão adulta que ele gostava de caminhar rápido para 'evitar problemas' ou seja lá o termo usado na época. Ele tinha, e ainda tem até hoje, grande poder aquisitivo, o que talvez justifique essa atitude estratégica. Seus celulares de cinco, seis anos atrás deveriam ser melhores do que o que eu tenho atualmente. E às vezes é o tipo de gente que carrega dinheiro demais para ocasiões em que necessitariam trocados ou notas baixas, para evitar constrangimento de trocos.

Enquanto eu digitava a palavra dinheiro, minha mãe a entoava na cozinha. O dinheiro é sempre o centro das questões. É o dinheiro, ou o produto celular no meu bolso, ou meus óculos escuros já devidamente pendurados no colarinho, que fazem eu apressar o passo, relembrando a distante fala do amigo que hoje tenho tão pouco contato para com ele. É o dinheiro que me faz correr atrás dos mais diversos comércios e estabelecimentos em busca de subsídios para meus hobbies e futura sobrevivência.

São os 82 reais que devo ao Ministério da Educação através da inscrição do Enem e preciso quitar até a próxima terça-feira para realizar uma prova objetiva de questões a b c d e, na interpretação, no susto, na sorte, no chute, na grade, em busca de cento e poucos acertos e mais uma graduação. Em busca de terminar e me livrar no menor tempo possível para me livrar de procurar comércios e estabelecimentos e ter um horário fixo para desenvolver a mesma função repetidas e repetidas vezes. C'est la vie, alguns se orgulham em compilar a fala em suas fotos de capa em redes sociais online.

Achei que seria assaltado ao lado de um grande supermercado que fechou nos últimos anos. Ao redor da colossal escultura que antes abrigava movimento de clientes, carrinhos de compras e barulhos de código de barras liberados, existia uma tela, mas ela foi roubada. Aí foi reposta, como se nada houvesse acontecido. Agora estou no aguardo de quanto tempo para que seja novamente roubada. Uma escadaria que leva a um segundo andar na construção foi grafitada e pichada como os norte-americanos gostam de fazer nos estabelecimentos desocupados pelas inflações imobiliárias e crises inventadas do mercado mundial e wall street e etc. Ao lado desse super abandonado, achei que seria assaltado.

O ciclista vinha sorrindo e olhando para o lado, parecia para mim. E segui caminhando, mas voltei meu olhar a ele e ele continuava sorrindo e eu caminhando e ele pedalando e sorrindo e uma cara de quem ia se dar bem. E ele segue sua trajetória à beira do meio fio pela rua e ao meu lado na calçada passa uma criança também de bicicleta, que deveria ser o irmão mais novo dele ou talvez um filho, é possível. Dessa vez senti o perigo tão iminente que nem me arrependi de ter duvidado de sua índole. Em outros tempos eu teria me chateado e deprimido comigo mesmo. Mas são tantos e tantos motivos para isso que prefiro não empilhar mais esse. Postes acesos e cachorros levando suas donas para passear. Estou falando dos quadrúpedes, alguns vestidos de roupinhas no inverno que se aprochega na metade sul do globo terrestre.

Eles cagam o meu caminho nos fundos dos apartamentos da rua Brasil e pelo menos o novo prédio, um dos mais altos da cidade, tem calçada nova, até ciclofaixa e os cães o tem respeitado, sabe-se lá porque, mas continuam cagando nos mesmos espaços que depositavam desde antes.

No posto de gasolina da esquina, a placa que sinaliza a marca do posto não combina com o resto da decoração e da sinalização dele, eu estranho. Os funcionários estão agora equipados com jaquetas mais grossas, num tom de vermelho berrante e uma das funcionárias ajeitava a postura da roupa sobre o colega funcionário.

Durante o trajeto, notei muitos rostos de clipes do System of a Down, o que significa gente observando o nada e o tudo e seja o que for pela janela, a vida passando diante de seus olhos, enquanto trabalham encaixotadas em endereços decorados na cabeça para indicar onde comerciam e para aumentar as vendas. Trabalham encasulados e encarcerados, mais empacotados do que as próprias mercadorias que vendem, que pelo menos vão mudar de endereço quando são vendidas. Enquanto elas, as pessoas, vão continuar ali, observando os fins de tarde na infindável melancolia e na expectativa recortada no calendário em denominação de fim de semana.

Enquanto descrevi tudo isso, minha tia segue na fofoca no cômodo da cozinha. Bom fim de semana a todos os leitores. Se estiverem lendo no início de uma semana posterior, não se preocupem pois o desejo do bom sempre se reserva aos finais de semana. Enclausurados, encasulados, empacotados nas folhinhas espetadas nas cozinhas em doações feitas por armazéns próximos.

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