01/11/2022

Estrada no norte de SC

Voltava pela estrada no norte de Santa Catarina. Vinha no banco de trás de uma condução. Algo que se assemelhasse a uma carruagem em que as pessoas são transportadas em um compartimento, algumas sentadas lateralmente em relação ao cocheiro. Mas vinha eu acompanhado de outros passageiros quando nosso veículo foi obrigado a reduzir. E não só reduzir, mas obrigado a parar. A fila se formava. A vista não alcançava mais o início para frente. Logo não se enxergaria o final, mesmo que a poucos instantes ali percorressem. A inspeção era rigorosa. Ou fingia ser. Os homens abordavam direto ao banco do motorista. Pediam documentos. Trocavam palavras. Às vezes trocavam olhares entre eles e devolviam os documentos. Às vezes trocavam palavras sussurradas entre eles. E talvez não devolvessem o documento. Me acompanhe, por favor.

E assim percorreram alguns carros, mas aparentemente liberavam a passagem de todos. Mas logo eu descobriria que eles retinham pessoas. Por sorte, nenhuma era motorista solitária e a fila de carros assim continuava em prosseguimento, avante. Mas então chegou nossa vez de vasculharem. Fomos interrogados. Meus pares apresentavam a documentação para o policial que insistiu em entrar em nosso compartimento. Naquela invasão de privacidade ele observava os documentos sem maior interesse. Então deteve-se à minha pessoa. Pela simples declaração de meu nome houve um estalo de interesse. Talvez ele tenha mesmo estalado a língua entre lábios, entre dentes. Ali estava algo que procuravam. E eu era este algo.

Tive que ouvir um daqueles corteses me acompanhe por favor. E acompanhei somente pelo favor que me pediam, porque de meu corpo não dispunha vontade alguma de ser encaminhado a mais perguntas. Anotaram o número do qual pertenço de forma escrava desde que criado meu registro geral. Respondi que era gaúcho apenas de passagem breve pelo estado vizinho. Mas eles sabiam um pouco mais sobre mim e sabiam que isso não era bem a verdade. Eu já constituía parte da população, votava ali e saberiam eles que já era parte do censo demográfico, retomado com atraso na região. Em 2020 eu não seria deles. Agora era.

E estava nas garras desses oficializados. Um deles, cabeça baixa de escrivão, boné posicionado praticamente lhe ocultando os olhos, me perguntou mais algumas bomba-relógio, sobre minha orientação em voto e preferências políticas. Não engoliram novamente as respostas ou, se fingiam engolir, logo regurgitariam. Eles sabiam mais do que aparentavam.

Pois logo vi que no trancamento da rodovia os oficializados não estavam sozinhos. Camisas verdes e não obstante amarelas os acompanhavam. Estes fazendo o favor por livre e espontânea vontade de estarem ali em pleno dia de semana, dia útil e mesmo assim paralisando a bendita cuja da economia. Pessoas alegres de sorrisos estampados, de faceirice tentando ser meiga, praticamente com máscaras costuradas à base de botox por sobre o colarinho verde de suas estampas amareladas. Mulheres loiras, homens com alguma rotina de academia, idosos que ignoravam alertas anteriores para permanecerem em casa. Esses rebelados em avalanche bicolor pretendiam atazanar com nossas vidas e cumpriam com o objetivo. Retrasados na estrada, talvez meu comboio prosseguisse com a naturalidade que eles gostariam supor, mas eu estava represado naquele conluio de lunáticos - mais uma vez com todo o devido respeito à lua.

Eles me pediram a identidade novamente e logo percebi que eles se adonariam mais dela do que eu. Esvaziei os bolsos e percebi que nem os últimos halls seriam de minha posse. Uma das abrasileiradas com mentalidade entreguista ao estrangeiro apareceu sorridente, farsante com uma lista de sites. Pediu para que eu identificasse endereços virtuais, dos quais eu desconhecia quase todos. Certamente não era o meu histórico. Mas talvez um suposto histórico em comum. Mas então na página 2 daquele conjunto grampeado me deparei com uma senhora surpresa. Cá estava o nome de meu blog em algum texto provavelmente com críticas nada amigáveis aos marcianos - com o devido respeito à Marte.

Por impulso exclamei e logo percebi que minha identidade estava mais entregue que o gol do título ao Palmeiras na final da Libertadores 2021. Mas tão logo exclamei tentei fechar minha impulsiva matraca e desviar o foco, que eu fiz crescer através de meu dedo, que roçava o papel com o bico do indicador sobre o nome de meu blog. Então tentei disfarçar que na verdade eu teria acessado barra visto o nome do site abaixo. Daquele bloguezinho mixuruca eu nada sabia, nem ideia de quem fosse.

Mas engoli em seco e fiquei torcendo para que os patrulheiros e demais enxeridos engolissem essa. Engoli sonoramente em seco implorando por uma água ou um veneno que me acalmasse ou resolvesse uma saída àquele aprisionamento. Eis que na reza que eu teria silenciosa, a moça morena de camisa amarela havia chegado a um veredito. Risonha como uma assistente de palco na televisão dominical, ela veio conferir o que eu havia mostrado. Com a caneta a sublinhar ela havia revelado que eu era muito bobo mesmo e nem havia precisado de tortura (conclusão minha) para indicar os temíveis segredos.

Qual não foi meu alívio quando ela repassava o papel ainda ao alcance dos patrulheiros mostrando que eu havia participado era do site abaixo de meu verdadeiro blog. Eu na verdade naquela gama de impulsos não sabia se a troca de meu incriminatório blog por outra página desconhecida era uma boa escolha.

Lembrei de meu nome e onde apareciam (em fotos) em meu blog. E lembrei de meu microblog. E lembrei de minha família. E lembrei dela. E recordei o quanto era possível e viável recordar em passagens como um filme diante de meu atônito e embaçado par de olhos. Acho que eu não veria mais eles.

Me acompanhe, por favor.

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