27/08/2022

Será que eu sei como contar um conto?

Aprendi nas aulas de Literaturas em Espanhol que eu entendia nada do formato de um conto. Mas já escrevi vários contos. O que faço com eles? Readapto? Deixo como provas fósseis de outros tempos em que eu desconhecia essa tecnicidade? Adaptarei os contos que futuramente escreverei ao que estou aprendendo? Os encaixotarei para bom gosto dos clientes? Me podarei para que o formato clássico floresça? Me debruçarei sobre e pela liberdade do formato crônica? São questões.

Tentarei beber das melhores fontes. Edgar Alan Poe, que, como ainda não havia basquete na época, é nome de contista mesmo. Júlio Cortázar que algo já vem me ensinando sobre latinicidades e humanidade em geral. Alguns russos perdidos que me encontram e despejam conhecimento.

Para além das aulas com as quais tento aprender algo, estou tentando me virar ao morar sozinho. Escrevo ao cabo da terceira semana. É o maior tempo que já completei sem meus pais. Me recuso a comemorar, porque sempre há a verdadeira esperança, que consiste em imaginar que o pior está por vir. Não nego que quando esse pior não ocorre, o custo da ansiedade já está feito. Está pregado. E muitas vezes me sinto mal pela minha imaginação ter criado pratos piores do que a realidade. Mas assim convivo com meus monstros e fantasmas.

Trafego pelas ruas portuárias a bordo de um ônibus. Geralmente consigo solitariamente sentar em uma duplicata de bancos e assim me acomodo à janela com minha mochila no assento ao lado. Reparo em apartamentos para alugar, grafites e pichações. Noto as repetidas na esperança de encontrar algo novo. Os dias assim se repetem. O ônibus que desafia a física ao dobrar esquinas evitando ao máximo contatar com algum veículo estacionado por demais ao canto. Comemoro a ação certeira do motorista na certeza de que na próxima esquina ficarei tenso novamente. E assim é a vida.

Próximo ao campus há um matagal com lixo e o cheiro ruim de algum esgoto com saneamento mal resolvido. Passo por escolas caindo aos pedaços. Assustado com o exterior e provavelmente mais assustado ainda caso visse seus interiores. Pelas entranhas de uma estarei a partir da próxima semana em meu estágio de observação. Já estou ansioso o suficiente tendo somente que assistir aos desafios de uma professora de nome Gisele. Imagino e fico ainda mais nervoso ao pensar que em algum semestre vindouro serei eu a vítima em dar aula para as mais diversas pestes distribuídas uma para cada pupitre- palavra em espanhol que gosto, simpatizo, e na verdade significa classe para cada aluno assim distribuídas.

Na faculdade bebo da fonte de que carrego esperança de mudar a vida de alguns estudantes através de meus ensinamentos. Não me sinto seguro o suficiente para ministrar os conteúdos fundamentais. Me sinto confiante o suficiente para doutrinar estudantes com ensinamentos críticos e políticos. Por vezes lamento minha falta de entusiasmo na hora de decidir o curso e ter chutado as possibilidades de avançar pela história ou pela geografia. Tenho pelo menos dois grandes amigos. Minto, já me recordo um terceiro, todos eles que avançaram sobre essas assinaturas. Eu fui para o campo das linguagens. Destrincho e combato as modalidades linguísticas na certeza de que minha paixão e o que me mantém matriculado é o campo da literatura. São nas literaturas que mais comparto ideias com os professores. Neste semestre as professoras. É na literatura que pretendo exercer participação em um projeto de pesquisa. Pois se obriga a pesquisa para complementar as horas de nossas formações.

É a literatura sobretudo que me faz sonhar, alçar voos mais altos que as rasteiras e ausentes de recursos significativos salas de aula. É a literatura que me permite pegar carona em um tapete voador de futuros inebriantes. É a literatura que escorre pelos cantos de minha boca porque dela bebo sedento em busca de mais e mais. Ela que empolga e me fascina. E por ela, a reboque das mudanças de mundo, me traslado adiante. Embarquemo-nos, seja qual for o formato desse delirante veículo.

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