24/05/2022

Processos da loucura

Como não ficar louco em uma sociedade em que uma consulta médica custa 500 reais? Com desconto do plano de saúde 400. Nem a consulta o plano de saúde capta, absorve, abrange integral. Só um mero desconto. 500 reais, quase meio salário mínimo. Mais de meio salário para muita gente abaixo do mínimo.

Vai gastar meio mês para uma consulta em que o médico apenas olha para sua cara? Os médicos estão cansados da exaustiva pandemia. Concordo, muito eu penso neles. Mas muito penso em nossos abatidos pacientes. Atendidos com demora e muitas vezes atendidos de qualquer jeito. Chateados com os sintomas e com a forma como são tratados. Ou destratados. 

A pessoa muitas vezes volta para casa sem a resolução de seu problema. E ainda cansa mais o psicológico. E hoje em dia o que não cansa o psicológico? Na era de tanta informação. De tanta tecnologia que nos bombardeia assuntos. Imagina não ter assuntos, algo vai pousar para falarmos. De piadas às piores crueldades, mas algo vai. E aqui mesmo no texto de uma origem fujo pela tangente em outras raízes. Mas o psicológico. O psicológico cansado dessas notícias, dessa necessidade de interagir, da era do pós-trabalho para quem trabalha, de casa ou não, mas sempre sobrando para casa. Antes levava do restaurante um pouco de comida para o cachorro, hoje leva mais algum cliente insatisfeito que poderia ter sido tratado mais cedo. Consultorias e atendimentos. Preocupação e ansiedade.

A era do pós-trabalho para quem trabalha e quer garantir um sustento que lhe permita 500 reais em uma consulta particular,  ou 400 reais se você bancar a continuidade mensal do plano de saúde que não cobre todos os gastos, sinto-lhe muito. Como estiquei o ouvido para o caso da senhora que consultou as secretarias para tentar um atendimento o quanto antes porque depois que ela foi no dentista passou a sentir-se tonta. Será que é neurológico ou o que é? Ela, à beira de seus 90 anos, nascida em 1933, irá descobrir e minha fofoca ficará incompleta porque ela agendou retorno só para o dia seguinte, às 18 horas.

Não gostei das secretarias. Quando falaram do tempo, de casa ou apartamento frio e sujeito à umidade, ok, mas também falaram de outros pacientes, que uma mulher no exame dela nada apontava então não haveria necessidade de pressa na marcação de sua consulta. O desaforo. E eu ouvindo me sentindo tapeado porque eu mesmo havia sido remarcado já duas vezes, passando da suspeita de um ciclone que ao fim nem veio, e depois pelas prioridades médicas de atender um necessitado de cirurgia, sua especialidade, corta e corta. E lá se foi outro turno. E eu reagendado olhando ali cabisbaixo para meus próprios tênis que já foram mais brancos, sujam e já não limpo e minha roupa amassada e já não me importo se assim fica porque tenho prioridade é de resolver a minha saúde.

E cabisbaixo como eu aguardava, cabisbaixo eu saio porque sou eu reagendado, sem solução, não é com esse médico muito menos com as secretarias fofoqueiras que vou me resolver. Adio meus problemas e preocupações. Gasto tempo e dinheiro. E linhas que obviamente esse texto é sobre muita gente dependente de SUS ou apalermada mesmo na sorte de um plano de saúde, talvez incompleto. O texto é sobre mim  cabisbaixo, abatido e um pouco mais pobre, sim. Também mais pobre de espírito. Ah, o psicológico... Ainda não sou totalmente louco porque redijo essas linhas todas. Mas só por isso será?

Nenhum comentário:

Postar um comentário