22/04/2022

Cotações Selvagens

Antes de ser o último álbum (a que tenho conhecimento) do Wander Wildner, Coração Selvagem, com design muito semelhante, foi filme do polêmico e ousado diretor estadunidense David Lynch.

Muitas vezes me pego pensando nas relações estabelecidas no mundo e no mundo da arte, especificamente. Quem inspira quem? De onde saem tais referências? Me sinto muito inteligente quando capto, embora muitas vezes seja apenas questão de ter acesso. Nada a ver com a capacidade de estabelecer a conexão. Quando desconheço ou quando desconhecia, me sinto limitado. Somos duros demais com nós mesmos.

Me pego pensando também que muitas vezes as referências são mais óbvias. Eu, por exemplo, gosto muito do filme Forrest Gump (1994). Fiz até trabalho da faculdade sobre. Aliás, quando me debruço sobre assuntos recorrentes a mim, me sinto trapaceando, o que é errado. No fundo, parece correto explorarmos temas de nosso conhecimento prévio. É importante. Claro, sem perder de vista que podemos nos aventurar em novos temas, desafios mais distantes.

"Para alimentar o seu coração selvagem.

Para alimentar o seu coração selvagem."

Meu coração selvagem procura filmes e livros fora dos mais vistos e dos mais vendidos. Faz parte da sede por descobrimentos. Por explorar algo que os demais não tenham acesso. Sou muito movido dessa forma. Reconheço que seguidamente é solitário, pela falta de com quem debater. No meu blog é comum eu trazer referência a livros de traduções mais raras ou do cinema latino-americano ou do leste europeu. De certa forma, ponho para fora as reflexões que desejo estabelecer sobre essas obras apreciadas e procuro fomentar a vontade dos leitores em buscar casos semelhantes. Ao me pedirem dicas de filmes ou livros, não hesito em deixá -las.

Minto. Sempre hesito, porque assisto a tantas obras que minha primeira reação sempre é de parar e tentar trazer da memória o melhor que tenho visto. Orgulhosamente os temas também são muito variados. As pessoas são distintas. Há temáticas de ação desenfreada, roteiros vencidos e requentados que não me chamam atenção. Ao passo que as missões estritamente filosóficas, as aproximações com a vida real que muito me saciam podem aporrinhar a opinião alheia. Aí eu sinto muito.

Gosto de explorar os processos antropológicos, os limites da mente humana, os desafios da vida real nas páginas dos livros e nas telas em filmes. Quem procura por ficções que muitas vezes fogem do meu interesse pode se decepcionar com minhas dicas. Mas busco ser bastante autêntico, honesto e reflexivo, a cada análise e a cada conselho. Disso espero não reclamarem. Assim me justifico.

De alimentar o Coração Selvagem que me coçava a começar esse texto, lembro aqui do documentário Super Size Me, popularmente conhecido como A Dieta do Palhaço - em alusão ao Ronald McDonald. Vejam bem, aqui está um exemplo dos próprios Estados Unidos. Bom para vocês? Pois este documentário tenta, no início do presente século, detonar com a abastada fama das lanchonetes, em especial o McDonalds. O personagem principal e diretor propõe a si mesmo o desafio de comer somente na lanchonete mais famosa do mundo durante um mês. Os resultados contra sua saúde são alarmantes, embora não o suficiente para desmanchar o hábito do fast food, que só cresce pelo planeta.

Me chamaram a atenção alguns dados, como na época haver 58 restaurantes McDonalds em Nova York. Ao passo que não me deixou de surpreender o dado de que os nova iorquinos caminham, em média, uma boa quantidade de quilômetros por dia. Menos mau nisso tudo. Enfim, sobre o documentário, vi algumas análises negativas em sites 'especializados' em criticar. Por outro lado, eu procuro ser bastante defensor dos documentários, porque entendo suas limitações de orçamento, principamente quando criticam os verdadeiros endinheirados orçamentários, e também entendo a importância dos temas trazidos à tona. A luz que procuram jogar sobre os cegos olhares da sociedade.

Dessa maneira, defendo o Super Size Me, por questionar a chamada epidemia de obesidade nos Estados Unidos, criticar a indústria cruel da propaganda e, de certa forma, se preocupar com a saúde daquela e das próximas gerações. O autor procurou entrevistas com autoridades, buscou saber dados das lanchonetes, expor a indústria comandada pelos lobistas, a indústria da publicidade desvairada e incontrolável e o impacto nas escolas e na saúde dos jovens. Tudo isso intercalado com a sua proposta de, a cada dia, tentar somente se alimentar com os lanches nada ou pouquíssimo nutritivos desse verdadeiro e avassalador conglomerado.

Alguns procuraram diminuir o filme por uma ou outra colocação que fugiria do considerado bom padrão do politicamente correto. Acredito que algum deslize que venha a ocorrer nessa questão não diminua o tamanho e a importância do documentário. Uma exposição que certamente preocupou, mesmo que por limitado espaço de tempo, os donos da barganha, das mentes e dos corpos, dos Estados Unidos e de seus mais ou menos controlados quintais. Concluo após assistir a essas assustadoras exposições que, novamente, fica a impressão da tal liberdade defendida nos Estados Unidos suterrar a saúde de seu próprio povo. Além de, é claro, influenciar em uma derrocada dos seus "ali(en)ados" países.

Me refiro assim porque é recorrente pensar na destruição do povo dos Estados Unidos através das epidemias de drogas, como heroína, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano, além de outras drogas, regularizadas ou não, à venda em farmácias ou não, além do conhecido álcool, bem acessível a nós brasileiros, e além obviamente das milhares de mortes anuais por armas de fogo, de homicídios a suicídios. Embora aqui eu não traga imediatamente dados dessas mortes todas, todos esses números são facilmente acessíveis na internet. Mortes por heroína, embriagados na direção ou armas de fogo que disparam e sepultam.

Soma-se a esses problemas crônicos na sociedade dos EUA, a quantidade absurda de sódio e gordura trans e outras consumidas pelas pessoas diariamente. Silenciosamente agindo em seus corpos. Modificando-os, interna ou externamente. Riscos à saúde. O barato que sai caro. A comida rápida que vagarosamente os leva aos mais diversos problemas. Diabetes, safenas, cálculos renais. Muita coisa acumulada no organismo.

Enfim, acredito que os homens à frente de seus tempos, David Lynch e Wander Wildner dimensionem que muito além dos corações selvagens está o capitalismo selvagem dessa maneira algoz e matreira, agindo na autodestruição da nossa espécie. Ah, certamente eles sabem disso. E quem mais lucra com isso também sabe.

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