A começar que o acesso para essa praia me deixa tremendamente claustrofóbico. Ok, entendo que seu isolamento impossibilite outros acessos, faz parte da preservação ambiental inclusive. Porém a estrada que liga o caminho é composta por carros, carros e mais carros. A mata é cerrada por ambos os lados. São poucas casas desde o trevo de acesso. Notei o abandono de algumas. As demais mantém estilos mais simples até carregarem-se com o esnobismo quanto mais próximas das areias.
Após a hora de condução por essa estrada, na fileira de carros, uma pista de mão dupla, finalmente chega-se ao mar. Antes do mar, melhor recordando, passamos por lojas de biquínis, de vestidos, bijouterias e muitos restaurantes. Lancherias também existem aos montes. Impossível que alguém com opção financeira fique sem o que comer. A mistura de molhos e cheiros me deixa meio zonzo. Não reparem tanto, meu estômago sempre foi fraco. Cachorros quentes, prensados, restaurantes de frutos do mar, bares especializados nas misturas. Em algumas travessas para dentro do mato observo cachorros. Esses também devem ganhar boa recompensa de sobras a cada noite. São realmente muitos restaurantes. Quando certa vez há quase uma década fomos procurar o restaurante de um parente, percebemos que jamais encontraríamos sem a pista do nome. Só tínhamos o nome dele, fato quenem todos, ou mesmo poucos, deveriam saber.
Soube nessa ida descrita agora que eles nem estão mais com o restaurante. Se mudaram e se especializaram em bebidas medicinais. Uma loucura. Loucura é o que posso imaginar para vida noturna desse paraíso estranho. Paraíso a gosto de muitos, visto a lotação. Mas que, às primeiras impressões, não me apetece. Mas enquanto escrevo percebo minha curiosidade com ambiente tão diferenciado. Experiência antropológica é o mínimo que posso imaginar nesse cenário. Percebo um clima esnobe. Como se as classes mais altas quisessem não só o contato, mas o extenso domínio sobre a natureza. Como se as tatuagens tribais ganhassem novo sentido nesse espaço. Como se as camionetes de ostentação fossem pró-natureza. Como se não fossem necessárias as tantas placas de aviso para recolhimento de lixo. O ser humano quando se ajunta costuma aprontar.
Noto os muitos carros parados na incessante disputa por espaços. Cada vaga pode ser comemorada como se fosse a para Copa Libertadores. As pessoas param para observar o mar, para observar umas às outras, como costumam fazer nas praias. Alguma disputa é sonora por música. Eles escolhem o ritmo, você não, obviamente. Entre a encosta dos morros e a areia não há tamanha distribuição de espaço. É uma praia disputada como um ingresso vip, muito celebrado com selfies em stories. É o objetivo de muita gente.
Chegar até lá exige um bom tempo de deslocamento de carro. Quem quiser algo mais alternativo pode tentar a sorte de uma carona no caminho. Para encarar a trilha de subidas e descidas a pé ou de bicicleta, é preciso um esforço épico e uma pré-disposição atlética.
A ambientação sugere a conquista de lugares rústicos e alternativos. São decorações que a muitos atrai. A mim mais afugenta. Mas é possível que eu encare, embora me sinta ameaçado pela proximidade das casas de alimentação e entretenimento. Tudo isso me faz pensar em um ambiente tumultuado e badalado demais para uma calma refeição. À noite mesmo, quando o objetivo das pessoas for exclusivamente o entretenimento, talvez tenha seu valor.
Além das tantas casas nessas ousadas, ou tentativas de ousar simples, casas de espetáculos, é preciso frisar a quantidade de placas para pousadas e hostéis. Como não há disponibilidade para construção de prédios (mas bom), o predomínio são dessas modalidades de hospedagem. Nada de hotéis. Apenas pousadas e hostéis. Hostéis ou hostels? Que me perdoem a grafia correta. Neles também está a presença forte do capitalismo na disputa de fachadas e decorações. Me parece um ponto importante. É para transparecer uma conexão sagrada com a natureza, mas são lugares onde só os mais abastados com camionetes costumam chegar, onde o preço da comida não é convidativo e onde os estabelecimentos seguem a mais pura cartilha do capital, na lei da concorrência por seus clientes. Não parece muito com alguma edição do programa Largados e Pelados, tirando o predomínio da natureza em volta.
Pois no predomínio de pessoas querendo se conectar à natureza, observa-se a tentativa de variação em relação à espécie humana urbana, mas bem notamos que quase todos ali são urbanos na amplitude do ano. Em uma rápida pesquisa, a estimativa é que a população praiana dessa localidade não ultrapasse 4 mil pessoas durante o percorrer do calendário. Sendo assim, são realmente poucos os privilegiados que podem se considerar moradores fixos. Imagino a desolação do espaço no inverno, quando aí sim pode adquirir um tom mais cabível com a proposta.
Esse ambiente de boas vibrações criado durante a estação do verão, quando o dinheiro circula, é facilitado para pessoas em que as dificuldades latentes do país ainda não fazem cócegas, o que também explica um percentual de votação em certos políticos. Em resumo, é muito fácil buscar saciar a fome espiritual, quanso a barriga está tranquila. Quando alterações trabalhistas não lhes competem, quando os atrasos sem precedentes no país chegaram e não lhes aborrecem a vista marítima e o digno período de férias.
Pode ser que tudo isso se some à minha descrente apreciação, crescente depreciação e curiosidade. Isto mesmo. Conforme critiquei também me vi curioso por explorar essa fauna tão diferenciada de minhas ambientações costumeiras. Seria eu um infiltrado, um espião, um anotador a lápis de minhas voláteis ideias. Na pior experiência possível, caberia ao menos uma melhor exploração antropológica dessa situação toda. Assim sendo, posso confirmar ou depor meus pontos, ratificar ou retificar. Façam suas futuras apostas.
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