08/05/2021

Breve Profecia

Eram 18h15 de um dia do meio de maio. O relógio da parede ainda não havia perdido o fôlego dos ponteiros, que se arrastavam obstinados. Um sobre a mesinha ao lado da cama confirmava a ditadura imposta pelo primeiro. Se não estavam sincronizados, o primeiro ganha do segundo por um piscar de olhos. Viviam empatados. Empatada estava a comorbidade da senhora repousada sobre a cama, única posição que lhe apetecia para esperar a divina sentença. O obituário, o testamento, o luto, o preparo com a funerária. Tudo isso já havia sido providenciado. O estado de saúde era irreversível. Um homem, criador de cabras de 30 e poucos anos estava sentado sem apoiar as costas no abandonado encosto da cadeira. Ele apoiava as mãos em altura relativa ao peito, suspendendo ambas sobre a extremidade de uma velha bengala. A mesma de seu falecido pai.

Ele possuía o dom de prever a hora exata em que uma pessoa cruzava a derradeira linha, dessa para, diziam, ou costumavam dizer, para uma melhor. E de repente ele, em mais uma das voltas do ponteiro do relógio, levantou-se sem sobreaviso e foi comunicar a família. No cômodo ao final no corredor, na sala, anunciou de pé o respeito pela fatalidade que viria a ocorrer ainda naquela hora. Tirou o chapéu da cabeça, inclinou-a em pesar e enrugou a testa como que a procurar em uma bolsa o bilhete da exatidão. Fez um gesto com a mão que soltara da bengala como se afastasse a um imaginário inseto. Voltou a apoiar ambas sobre a extremidade do cajado. "Vocês me perdoem, mas não me está claro se 18h56... ou mesmo 18h59, mas das 19h não passa, não há dúvida." Repetiu o gesto com a mão em um capricho, ou mesmo um cacoete que não poderia ignorar de torná-lo a fazer.

Sua fama era tão absoluta na localidade que já havia recebido antecipadamente. Não cobrava um valor exato por seus serviços, por mais que não falhasse nos comunicados. Mas a ajuda de custo era sempre bem-vinda, afinal, era um simples criador de cabras e a profissão convivia com o desprestígio e com as limitações financeiras em vigente crise nacional. Cada vez que alguém adoecia gravemente pelo povoado, ele era convocado porque, mesmo sem mexer um músculo em relação a agentes funerários, questões burocráticas ou de preparações para os ornamentos das primaveris e floridas despedidas, era ele quem determinava a hora em que passariam aos próximos passos, adiantando os inevitáveis acontecimentos. Dessa forma, era confrontado por quem não aceitava as inegociáveis verdades. Ao mesmo tempo em que recebia por aquele mítico complemento de renda, também acumulava maldizeres, acusações das mais baixas, críticas às suas maneiras enigmáticas de descobrimento. E, sobretudo, ninguém entendia porque a capacidade de previsão era reservada para, no máximo, duas horas antes da fatalidade. Ele nunca previa a morte com maior antecedência, para o lamento daquela comunidade que já lhe confiava nos poderes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário