Não venha ao caso a beleza que a arquitetura pode proporcionar e amplificar a gama de significados. Não é isso. É apenas a superação do modelo matemático para as questões vigentes do homem. Muitas vezes podem ser desenvolvidas associações entre um campo e outro, do subjetivo para o matemático, mas a lógica não responderá tudo, porque o homem quer se esquivar das questões certeiras e esgueirar-se pelo parapeito das incertezas. O ser humano procura os caminhos sinuosos para tentar quitar as dívidas com seu espírito aventureiro, descobridor dos sete mares.
Iria apenas salientar a questão que o escritor russo Dostoievski aponta que as formigas são operárias, são utilitárias, mas saem do ponto de partida de construir e sustentar um formigueiro e, séculos se passem, ainda estarão lutando pelo mesmo formigueiro. É a fórmula, é a matemática desses seres, cujos indivíduos podem ser atingidos por predadores, sucumbir pela chuva, pelos raios, por inseticidas da ação humana, mas a prole continuará de pé dia após dia lutando pelo formigueiro, por esse todo que ele representa. Já o ser humano, através de sua consciência, estará na luta por questões subjetivas, por vontades que muitas vezes independem do senso racional, se dissipam da ideia de bem-estar, questões que se tornam contrárias às vantagens que ele obteria ficando quieto, não indo à luta. Em resumo, a humanidade está fadada a seus indivíduos buscarem o algo a mais.
Esses dias estive pensando em uma metáfora de filosofia africana (de localização imprecisa no continente, me perdoem) que apareceu em filme sul-coreano. As duas fomes, a básica, por alimentação, pelas necessidades fisiológicas e a grande fome, a busca incessante do conhecimento, das descobertas, das experiências próprias, daquilo que não podemos absorver também pura e simplesmente nos livros, nos catálogos de viagem, nos atlas, nas telas do cinema ou do celular. A busca pelo prazer das incertezas, pelo prazer das conquistas e - apoiando-se novamente em Dostoievski - conquistas que nem sempre significam pelo que são, mas significam pelo fato de as atingirmos, pelo senso de conquistador, pelo sentimento de dever cumprido. Tão logo estaremos com a posse em mãos e nosso âmago sentirá novamente a grande fome, nos pondo novamente em alto mar para novas descobertas. São desejos intrínsecos à humanidade, em cada indivíduo. É bem verdade que o sistema, a sociedade oprimem à população para lançarem-se 24 horas, ou o maior tempo possível diário, para saciar somente a pequena fome, mas que grande fome proporcionalmente pode surgir conforme avançamos em outros terrenos. A grande fome, esta que é insaciável.
E penso em minha gata, a Melissa, deitada em sua cadeira, dorme várias horas por dia, sabe-se lá com o que e se é que sonha, mas vive pela alimentação e um pouco de entretenimento, que ela busca através da caça ou de passeios noturnos pelo jardim, ou como fazia em nossa outra casa pelos fundos do bairro. Esta é a Melissa, essas anteriormente apresentadas eram, são e serão as formigas, serão assim as outras Melissas e os gatinhos do terreno baldio aqui logo adiante, mas eu, mas meu amigo Alan Matheus, mas meus outros camaradas, que há de sermos? De querermos? De lutarmos além das questões racionais mais atadas e obedientes. Seremos insaciados por gerações.
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