- mentir ou ocultar a verdade em saídas dissimuladas; falsas.
- falar a verdade e lidar com as duras, severas consequências disso.
- falar nada, manter a posição de silêncio, de afastamento, panos em cobertura, se fazer de sonso ou de louco até a poeira baixar.
Como podem perceber, nenhuma das escolhas é devidamente satisfatória. Então, qual escolher? A primeira parece a mais corriqueira. As pessoas fazem muito isso. Isso as mantém em convívio social, dá salvaguardo para poderem encobrir seus erros, seus pecados, seus atos falhos, seus equívocos, suas más intenções e suas más ações. Basta que carregue no coldre a artilharia da dissimulação e mantenha-se firme na mesa de apostas dos interesseiros. Negociações são feitas assim. Imóveis, vendas, cartéis, relacionamentos. E as pessoas sobrevivem dessa maneira. É a boia no alto mar dos carteadores.
Caso opte pela opção do meio, falar a verdade e lidar com as pesadas consequências, o jogador precisa antever as jogadas seguintes. Ou vai optar por seguir uma linha dura de respostas cruas e verdadeiras, sinceras a seu gosto, ou, vez ou outra, vai acabar cedendo para a dissimulação para não "piorar as coisas". Mas uma vez utilizada a verdade nua e crua, a sinceridade desmedida, o processo todo está para ruir. É ou não é assim que acontece? Após o tiro fatal de início, um tiro pela culatra, tudo que o jogador vai querer é: ir até o fim ou consertar a sinceridade, do sincero como não se pode ser. Ah, e esse erro assim tão vulgar persegue a noite inteira e quando acaba a bebedeira o erro esse, ele consegue nos achar. Num bar, num vinho barato, um cigarro no cinzeiro ou uma cara embriagada no espelho do banheiro. Perfeita descrição em Refrão de Boleiro, Engenheiros do Hawaii.
Quanto mais o jogador avança na opção B, de falar a verdade nua e crua, ele fecha-se em um labirinto. Talvez muito lamente não ter mentido, dissimulado desde o início. Ou ele aferroa-se com as verdades enquanto durar o cartucho dos disparos, ou tenta retroceder, voltar para a simulação, para o lado dissimulado, mas sempre correndo o risco de ser tarde demais. A pessoa atingida pelo disparo da verdade pode estar na ambulância, a caminho da UTI. É grave. Talvez não se recupere. Salvo o caso de uma lobotomia, a pessoa atingida vai carregar com rancor essa verdade disparada, essa verdade que ofendeu a si, suas roupas, seu produto à venda, seu hálito, seus movimentos sexuais, sua família fofoqueira, seus amigos debilóides, qualquer coisa do gênero.
Tenha muito cuidado com o disparo das verdades. Parece estar fazendo a coisa certa, mas o receptor vai encarar de uma maneira bastante distinta ao seu bom caráter objetivo. A intenção e o efeito tomam rumos diferentes nos viadutos da vida. Além do mais, dependendo o teor, o rigor da verdade disparada, você vai ser interpretado como louco por tê-la dito, por tê-la feito. Sim, é mais fácil para as pessoas encaminharem, calcularem diariamente o saldo bancário das invenções, das dissimulações. Elas preferem lidar com isso no extrato do banco do que com o peso endividatório das verdades.
As pessoas acabam excluindo aquela disparadora de verdades. Não é conveniente ter no grupo uma disparadora de verdades, não faz bem essa sinceridade objetiva. No que ela ajuda? Ela é ofensiva, ela traz ressentimentos. Ela arma sobre si a sombra eternizada do rancor. As pessoas olharão com desconfiança para aquele ente verdadeiro, o personagem Super Sincero, armado em série humorística da Rede Globo. Não pode lidar com o fato de ser o Super Sincero. A menos que todas as suas relações sejam episódicas de cinco minutos. Por exemplo, confrontar um vendedor em loja de calças jeans.
Enfim, as pessoas preferem o dissimulador, o das mentiras convenientes, parece que faz parte da fantasia de tentar adivinhar onde estão as verdades e onde estão as dissimulações. É intrigante. É com intriguinhas que os assuntos percorrem, como fios condutores. "O que será que ele quis dizer?" "O que será que está escondendo?" "E qual será a dele com Fulana?" "E qual será a dela com Belgrano?"
Para além disso, como parece ter ficado claro e cristalino, as mentiras convenientes mantém o clima agradável, o ambiente suportável em meio à essa sociedade insuportável. Pequenas bolhas, pequenos nichos, não sejam tão verdadeiros, ora pois. As pessoas fingem que suportam, mas não suportam. É como um halterofilista tentando erguer uma quantia de massa naqueles halteres mais pesados do que ele consegue. É uma corredora despreparado para enfrentar a maratona. É o suicida com medo do momento derradeiro, do corredor da morte, da sentença do enforcamento. Ninguém está pronto.
As mentiras por conveniência permitem que os jantares ruins -muito agradecido, estava maravilhoso, por suposto, precisamos repetir - deem lugar para os jantares verdadeiramente bons, apreciáveis, conciliatórios, os que fazem a vida valer cada pena. Assim são os erros dos amigos e como os reparamos. Deixamos que errem um pouco, mas isso pode fugir do controle. O rapper Black Alien gosta de postular a metáfora de abrir os portões da casa e a cachorrada não quer mais voltar. É realmente difícil controlar que voltem, que regressem em tranquilidade. Não mais, não mais.
Mas é importante conter equívocos, atitudes desbaratadas dos amigos, uma hora precisa ser feito. Alguém tem de fazê-lo, percebem? Do contrário esse amigo, essa amiga, ele ou ela vai acabar na pior. E aí também será muito difícil consertar. É preciso se atravessar com verdades, interferir para o bem dessa pessoa, quer ela ali entenda ou não. Do contrário, esse amigo ou essa amiga irá longe, longe demais e o regresso da tranquilidade... ah, como é esse caminho mesmo?
Enfim, o que foi tentado provar é que as verdades ditas a todo momento desgastam muito, você não vai conseguir levar o relacionamento social por muito tempo. Será julgado como chato e inconveniente dizendo sempre que achar as coisas chatas ou inconvenientes. Mas se esquivar de dizer as verdades nas horas certas, quando a coleira precisa ser afivelada e não há outra saída, se esquivar das verdades aí é uma omissão tremenda. O preço pode ser muito alto.
Por fim, a opção C é justamente sobre omissões. Recorro muito a elas. É não conseguir dissimular nem dizer a verdade, é fugir de A e de B. É esperar a poeira baixar. É esperar a maré estar mais favorável. É esperar bonança após uma grandiosa tempestade. Mas será que não tomar escolhas nos salva no período enquanto não tomarmos? Realmente, nem sempre temos essa possibilidade de aguardo. O olho do furacão não perdoa. É preciso fazer algo. A bola de segurança, como bem treinada e que as pessoas conseguem naturalmente é a Letra A. Alternativa B é naquele ritmo insaciável de consequências, avalanche sucedendo.
Sim, queria muito poder participar mais efusivamente das eventualidades sociais a partir da alternativa A. É muito difícil não conseguir, é ser como um alien. O alien da omissão se sai melhor do que o alien descarado da opção B, que é uma opção sem dúvida alguma de muita coragem.
Se soubesse como escolarizar as dissimulações de A, eu mesmo abriria a escola para ajudar quem mais precisasse delas. Acredito que, mesmo que não seja a normalidade, somos muitos. A humanidade, as pessoas dependem umas das outras. O difícil é suportá-las nesse jogo de constantes necessidades a serem cumpridas, a serem saciadas. E para suportar uma vida, um ano, um mês, um dia que seja, quantas opções A temos que marcar a contragosto?
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