16/02/2020

os dois lados

É evidente que há situações em que existem mais do que dois lados em disputa, em conflito, em cabo de guerra. Não, não sei especificar, talvez durante o desenvolvimento de minha fala venham exemplos. Por enquanto vou me atenuar pelo que pensei anteriormente. O que eu pensei? Pois bem, sobre os diabos dos dois lados. Sobre a minha incapacidade de formular um gozo ou uma felicidade plena. Antes eu conseguia, sabe, era mais jovem, desconhecia muitas da infelicidades, das tiranias, das maldades, do que vinha adiante, compreende? Acredito que algumas situações nos moldem definitivamente...

Sim, acredito em uma constante mudança, passamos por novas situações, por novas experiências e isso modifica os conceitos que existiam na gente, nossas interpretações... Mas algumas coisas forjam e das poucas coisas que aprendi com meu pai é que é difícil ficar nisso de distorcer ferro. Nos acostamentos em estradas elevadas, só se mexe naquilo se um caminhão muito pesado colidiu. Sim, uma droga de exemplo, mas foi o que eu pensei agora para ilustrar.

Os dois lados... bem, os dois lados. São casos como o gozo que deveria ser pleno em uma formatura. Ficam lançando esses comentários de que é o desempregado de amanhã. E muitas vezes é verdade, a não ser que sua família tenha uma empresa nesse ramo em que está concluindo a graduação. A não ser que seja de confiança da empresa que estagiou. É difícil eles quererem pagar o que você merece, mesmo que o piso salarial. Procuram estagiário e tu que vá procurar outro canto. Formaturas. Formaturas são a presença, mas são a ausência também, compreende? A família dificilmente está completa. Pode-se lamentar o que não pegou o voo ou a estrada a tempo, mas também a lamentação definitiva, daqueles que já se foram. Assim são os aniversários e as festividades como natais em família quando a idade se avança. Algumas crianças convivem com isso desde a infância, notando que o avô ou aquele tio já não vem, quando não for pior e a ausência for na própria casa. Acaba se passando por isso. As presenças e as ausências...

Mesmo para procurar mulher está brabo, bicho... É a que está ali, mas é a que não está. É a que não vai mais estar. Quando consegue um bom serviço (risos), mesmo assim depois vai ser atacado pela lembrança. Que diabos fomos deixar acontecer... isso parecia besteira de filme. Me passa um cigarro... É, é, parecia besteira de filme, daqueles que não gosto de assistir. Nunca gostei. Preferia escarrar naquele copo de água com açúcar. Mas agora estou dentro do copo. Uma verdadeira tempestade no copo d'água (risos). Registrou essa? Registre essa, por favor.

Acontece na família, acontece saindo da família com as mulheres. São as coisas que elas têm em comum e são as coisas em que todas se diferenciam. Talvez não só as mulheres... é, talvez não só elas. As pessoas nos seus detalhes, se você for específico. Especifista, não existe essa palavra. Específico, então. Sendo bem detalhista e específico, você vai perceber e isso pode ser um tormento. Vai querer que fosse assim e não assado. Aí entra no diabo do campo do perfeccionismo. Sempre fui duro comigo mesmo, compreende? E às vezes deposito isso nos outros. É inevitável.

Liga a televisão aí de canto, quero saber quanto está o jogo. Depois já me passa outro cigarro, vou precisar. Obrigado, obrigado. O que mais que eu posso dizer? Depositar esses desejos no que as pessoas não são? Pode ser. Às vezes observo a sociedade, pode ser no seu mínimo detalhe em zoom, câmera fechada em uma pessoa ali ou outra lá. Muitas vezes as de lá (risos). Mas penso como fazer parte daquilo, entende? E é difícil se infiltrar. As rotinas das pessoas se distanciam, são muito diferentes. Há o horário de trabalho, as pessoas acabam se apegando em quem está próximo. Grupos de estudo nas faculdades, depois o grupo da própria empresa. Pra quem trabalha em empresa, esse diabo do capital. Não, não vamos entrar nisso, sei o quanto você detesta que eu entre nesse tópico. Sei que me desvio muito, ainda bem que não sou o caminhão pesado que vai colidir na lateral da pista, hein? Sei, foi péssima essa. Ainda odiando esse exemplo jogado fora.

Mas eu dizia que as pessoas procuram quem está próximo. Fazem o possível de melhor convívio social com o quem têm, com o que podem, com o que está perto. Eu não. Acabo me amarrando em casa boa parte do tempo, é o que eu gosto. Minhas leituras, meus filmes, meu futebol. Acho que vai dar Caxias. Registre, registre que eu acho que vai dar vitória do Caxias. Se os grenás perderem vai ser mais uma prova da minha incapacidade, que eu erro, porque sou humano. Vou abrir no celular aqui quanto está a cotação de apostas. É, a maioria também está com o Caxias, está vendo? Está com o Caxias. Me desviei do assunto de novo, quem ler esse registro... está registrando, hein? Registre, quem ler vai me odiar pela demora. Mas me conhecem, sabem que já cheguei em boa parte do que eu queria. Aí me desvio. Mas entenderam... se não entenderam, não entenderam. O que posso fazer? (risos)

Acabo me amarrando em casa, eu dizia. Me imagino em algumas situações, mas acho que podemos voltar para a metáfora de ter filhos. O quê? Sim, metáfora, espero que seja distante como uma metáfora, não uma situação real que eu tenha que lidar logo adiante. A metáfora de ter filhos consiste de que podem ser maravilhosos, mas você aguenta o tranco? Fraldas, gastos, investimentos, investimentos e mais gastos. Responsabilidade permanente. Se quiser, grife permanente. Não pode se descuidar. Não é como uma planta, nem um animal de estimação. Essa responsabilidade vai te acompanhar, cara. Percebe, diabos? Toda a infância e você trabalhando em dobro pra garantir o sustento, a mulher e a família dela na sua volta, cobrando que você deveria fazer B e não A. Deveria fazer C, porque a sua ideia de B também não agrada a eles. Mas que diabos eles todos... E a criança lá, o que será dela nesse mundo? Sim, você sabe que eu detesto o mundo. Tem muita coisa boa, mas a trabalheira para alguns momentos que valham a pena. E aí voltamos inclusive para esse começo de análise, nem o gozo pleno mais tenho.

São as presenças e ausências. Prefiro a ausência dessas crianças de minha descendência. Façam com que não nasçam. Deixe que eu faça com que não nasçam. Não se esforcem para que nasçam. Fraldas, alimentação, da mamadeira ao cobrar algo diferente que você não vai ter vontade de cozinhar, jardim de infância, amizades, tecnologia, rolos, drogas. Drogas são um assunto que sempre me derrubam quando relaciono com crianças. Penso nas pequenas que os pais fazem uso, pode ser do álcool até. Penso nas que foram criadas certo e partem para isso. É uma desgraça toda. Falo isso e te peço o terceiro cigarro.

Sim, parto para o terceiro cigarro e sabe quantos eu aproveitei? Nenhum, apenas os consumo. Queimo e passa. E o pior é que parte da saúde vai junto com eles. E daí? Mas se você me mostrar uma foto minha loiro na infância será a verdadeira desgraça. Tudo bem, sei meus problemas e limitações e talvez em algumas coisas eu esteja muito além da expectativa. Ponto para mim. Anote o ponto para mim no placar. Anote nada. Segue 0 a 0 o jogo, espiei umas boas chances enquanto você que não liga para a partida não está vendo. O futebol, trouxe uma pesquisa, traz mais infelicidade do que felicidade aos torcedores. Acho que é isso, somente um time sai campeão nos pontos corridos, outros pensam que passaram perto e outros sofreram para saber se ficam ou não com a vaga na Copa ou se vão ser rebaixados. No final escapam, mas a calvície já aumentou junto com as rugas. É irreversível. E só um comemora e no outro ano e no outro, ele não sendo campeão, já são mais dois anos de estresse contra a temporada de regozijo. Haja lembrança bem utilizada para valer a pena. São ciclos.

Detesto aquelas pessoas que sempre que você vai conversar lembram da mesma coisa. Da mesma partida de futebol, daquele perna de pau que não tem futebol para amarrar a sua chuteira mas lembra quando por acaso acertou um chute no ângulo, fez alguma boa atuação. Supere. Lembra daquele dia, lembra daquela viagem, lembra daquela senhora? Às vezes as pessoas acabam apegadas nisso para não reconhecer a desgraça que se tornaram suas vidas. É melhor viver apoiado nisso do que reconhecer o momento ingrato, insatisfatório. Desculpe, estou estragando a balaca deles. Acho que faço isso muito (risos). Grife esse riso como risos nervosos (risos nervosos).

Tá, prometo que concluo essa no quarto cigarro. São sempre os dois lados. Ter ou não ter filhos, quem está ou não está. Estar aproveitando mas saber que logo acaba, como um cigarro. Não que eu aproveite, aqui apenas pego de empréstimo a metáfora da efemeridade. Isso faz com que eu me acabe como um cigarro, como um fósforo que cumpre sua função para acender o fogão e é depositado no mausoléu das demais cabeças queimadas. E minha função está aqui e nos jornais e com alguns amigos. É, aí está minha função. Cabeça de fósforo me lembra a metáfora do Eduardo Marinho. Somos cabeças de fósforo no dia a dia. E um dia estaremos queimados e depositados junto dos outros. Cemitério. Sem gavetas, conhecimento e aprendizado nas únicas bagagens até o final. Essa é do Forfun, aquela banda de carioquinhas.

Enfim, tá indo embora esse cigarro e eu com ele. Não definitivamente (risos). Apenas risos, não risos nervosos (risos). Isso mesmo. Aproveitei nenhum desses quatro cigarros. Me aproveito de algumas leituras e de experiências do cotidiano para ampliar minhas cartas na mão. Mas acho que as mãos aguentam um número tal de cartas, igual quando você vai comprando do baralho e não vai comprar o baralho todo. Mas comprar do baralho é algo ruim, é mais pela quantidade do que se aguenta. As mãos com as cartas, talvez um carro com um limite de combustível. Um chocólatra no domingo de Páscoa. Overdoses... Não sei se você entendeu, provavelmente não. Ela entenderia.

Me vê o quinto cigarro.

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