12/01/2020

fraco hoje

estou fraco hoje para assuntar
e besuntar nossas conversas
estou fraco hoje para escutar
e prestar atenção em suas palestras
estou fraco hoje, galho que se parte
fraco hoje, qualquer adversário
é Napoleão Bonaparte
fraco hoje, incapaz de minhas artes
nem com as melhores telas e pincéis
nem com o melhor pagamento em libras
dólares, cruzeiros e réis
estou fraco hoje, já disse
uma duas três quatro seis
vezes que estou fraco como hoje
propenso ao nada se o nada existisse
e me fosse opção
disposto para nada
se nada fosse uma religião
a verdade é que estou fraco hoje
mais do que todos os homens
e mulheres e seres
silvestres, agrestes, rupestres
ruptura nos meus dias
melancolia vazia que preenche
carrega e descarrega e depois carrega
o pente
me invade pelo coldre e me leva
ao nada que me leva a estar
fraco e maltrapilho hoje
pilho nada, tudo é
empecilho
aqui diante de meus cílios
nada posso para ajudar aos sírios
nada pude pós um voto em Ciro
nada que sirva de pretexto
a executar-se um martírio
e para quê?
se o nada que governa
essa paciência suave e terna
que veste-me como um terno
no dia de hoje faz-se eterno
me põe a dormir, hiberno
libidinoso, nem isso, quieto
hoje? hoje estou fraco, veto
nada de ato, nada certo
o certo é que estou fraco hoje
zigoto logo mais feto
da vontade que vai raiar amanhã
manta adiposa, cobertura, lã
para os dias mais invernos
água, cristalina, capa fina
suavidade de maçã
para os dias mais que verões
espada, última saída à cilada
da cova dos leões
vontade vagarosa em aparecer
como o brotar de uma rosa
vem crescer, vem-me ser
vem vencer-me em ser
vem me ver
que horários podes
amanhã?


inspirado ao ler Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade

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