Um pouco de prosa. Parece que a cada derrota que admitimos em desistência já encaminhamos a próxima, em uma esteira de produção desmoralizante. Não tenho conseguido romper o ciclo e tão certeiro como é a presença do inverno a cada ano, contornando o abril, rumo a maio, junho e julho, parece a eminência de meu futuro colapso.
Tenho dito que a situação geral do país se encaminha a isso. Hoje o panorama é de um estado do Rio Grande do Sul que não paga seus funcionários estatais, a prefeitura municipal de minha cidade começou também a parcelar salários do funcionalismo, o que desencadeou nas primeiras greves e protestos. Pesquisas apontam retrocessos na luta pelo combate à pobreza e o aumento da desigualdade salarial. Ouvem-se as mais diversas asneiras e besteiras das vozes oficiais, dominadas pelos mais dantescos personagens estrupícios. O colapso do país é eminente.
Voltando ao meu, também assim me aproximo em um mar de lama envolto a todos os lados. Sem perspectivas. Estou cercado e meu cérebro não consegue vencer os contornos. A não aceitação de compromissos e horários, a antissocialidade, a perda de paciência facilmente, o fechar-me a meus gostos e espaços restritos, o depender e sofrer a solidão de uma forma bastante peculiar. Meus pensamentos e consequentes atitudes acarretam o que tenho vivido. Cada vez que tento romper e perfurar essa bolha, não tenho obtido êxito. Me distraio em função da música, procuro conhecer novos artistas. Tenho lido meus livros, mas em ritmos mais lentos do que eu consideraria possível. Me distraio e me atormento em aulas que não sei exatamente onde usarei, enquanto custam-me turnos inteiros pelas tardes.
Tenho até recursos para voltar a ter terapia. Porém, não gostaria de sacrificar o essencial descanso de minhas manhãs, pouco utilizadas nessa década desde a conclusão do ensino médio. Recentemente um amigo de suma importância em minha caminhada, mas de opinião instável, por ser bem afortunado e variar muito suas escolhas desde que o conheci, me intercedeu que a saúde era importante nesse ponto. Apenas rapidamente concordei e não desenvolvemos muito o assunto. Imagino que ele também tenha passado por umas ruins.
Eu tenho passado por umas ruins. Mas isso tem estendido um interminável tapete pelo tempo. Uma fase ruim interminável. Para quem veja de fora, pode notar pequenas ou maiores conquistas e pensar-me bem. Mas a verdade é que não tenho conseguido ir mais. Pareço estar ligado no automático em tarefas do dia a dia. Me questiono inclusive se isto é a vida. Se tantos passam por isso na classe mais média das médias, mas nada sentem dessa minha espessa camada de náusea cotidiana.
Empregos, caminhos para se sustentar, oportunidades abertas, semi-abertas ou destruídas ou destrutivas de quem embarca. Faixas etárias que acompanho ano após ano e tornam-se pais e tornam-se mães. Dos meus tempos de ensino público, incluso a universidade, estava acostumado. Mas convivas dos tempos de ensino particular também entrando para a paternidade. Esquisito. Como dissociar aquelas figuras mongolonas das que estão nesse presente rapidamente atingido pelas rajadas da transformação?
E eu encontro mais nada. Vejo as possibilidades e elas nada me dizem e a nada me levam. Tudo bastante distante e meritocraticamente muito trabalhoso. Histórias de superação mais me entediam do que me encorajam. Assim como frases motivacionais. Não consigo desencapar meus próprios fios rumo à essa motivação, que me cruza palpavelmente distante ao passo que se esfrega aos meus olhos nas mais diferentes plataformas alheias. Me canso. Procuro onde possa descansar enquanto as garras do capitalismo me aprisionam.
Descobri recentemente que universidades dos Estados Unidos possuíam anos sabáticos para professores com 7 anos trabalhados. Descansa um. Um inteiro. Um ano recebendo e aproveitando de forma a voltar depois. Enquanto isso as jornadas de trabalho são gradativamente aumentadas. A loja de departamentos do ser mais miserável [de alma] do país regulamenta em seu contrato que funcionários possam trabalhar domingos e feriados independente de compensações justas. O sindicato, também com seus interesses próprios, tenta intervir. As pessoas, implorantes por emprego, querem aceitar os termos desumanos e rasgadores das constituições lutadas através do trabalhismo. Ultrajante.
Afetam-me todas as áreas: o suporte do que será financeiro, o suporte moral e cidadão do mundo, o suporte afetivo das pessoas que tão pouco suporto e o suporte destituído de sentido para tanta loucura em tão insalubre sistema.
Pensei recentemente que me apetecem os anos da década que está por vir, na numerologia repetida do 2 - de 2020 a 2029 - e mesmo depois, algo me faz simpatizar nesses números. Que não seja apenas a subjetividade que me permita querer vivê-los. Preocupantemente me sinto um clube à beira do rebaixamento. Talvez algum dos catarinenses da temporada, entre Avaí e Chapecoense na Série A ou Figueirense em crise financeira na Série B. Procuraremos depois se algum conseguiu escapar. Julgo que não. Quanto a eles e a mim, em comum de que necessitamos/necessitaríamos de alguma mudança mais radical, algum FATO NOVO - como na linguagem do futebol muitas vezes aparece este termo. Tento me comunicar com quem vocês imploram. E a ele quase ajoelho-me nessa condição de ao menos querer entender melhor meu papel aqui. Seja agora ou para os próximos anos de 2020... 2030.
Na adolescência me preocupava em salvar o mundo e escrevi uma canção com as preocupações climáticas e ecológicas. Chama-se "Além de 2030". E agora, antes disso para ir além disso: quem e como me salvar do mundo que já pensamos em salvar?
04/10/2019
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