22/10/2019

a perda do ônibus (Babylon By Bus)

Surge nas postagens da corriqueira internet uma mensagem sobre o desafio de encontrar momento ou situação mais triste do que a perda do ônibus. O cidadão esforçado em correr rumo ao ponto de embarque e perder o seu único transporte possível, quitado pelo auxílio-transporte da empresa ou com seu contado dinheirinho, ou com o crédito que precisou recuperar em alguma das casas de câmbio. A pessoa encarna o atletismo dos principais nomes do esporte mundial, recorre da forma como lhe é possível, técnica abaixo dos aprendizes da modalidade que muito erguem os joelhos e movimentam sistematicamente os braços, na dinâmica ou aerodinâmica que lhes é possível.

Tanto esforço em vão dói de diversas formas, enforca o tempo passado, quando se retorna na memória para uma cochilada anterior. Poderia ter fechado as pesadas cortinas de ferro da loja mais cedo, aquele trabalhão para a coluna de cima a baixo, quando precisa encaixar precisamente a estrutura ao solo. Poderia ter feito de maneira mais breve ou nem ter feito aquela ligação que custou dois a três minutos e consequentemente custou o embarque no gigante movido a biodiesel. Poderia não ter perdido tempo com aquele affair que trabalha contigo e nem te nota, mas que arriscou uma puxada de assunto entre sonhos do que não ocorre. Poderia não ter aberto mais uma ou outra aba no computador do serviço, um vídeo a mais, uma receita de bolo, uma conversa no Facebook. Poderia.

E tudo culmina, o humor do dia entra em ápice para nivelar para cima ou para baixo naquela corrida, travessia desengonçada, no perigo dos trânsitos da avenida que afastava da parada e do destino em pé final, pois só queria um banquinho, mesmo de canto, mesmo desagradando uma prévia escolha, para sentar-se no ônibus. Mas isso é negado. O esforço, o suor que brota, o vencimento precoce do desodorante passado ao início do expediente, tudo isso posto à prova para uma missão inconclusa, uma derrota vexatória. Outros saindo de seus serviços, alguns passando em seus carros, uns transeuntes despreocupados, quem sabe já passeando com seus cachorros ou rumo a jantares em restaurantes, todos o observam, seu cair de joelhos em revés doloroso.

O motorista que viu-o ou não? Se viu, que o inferno o aguarde, mas, caso não viu, será que faltaram poucos metros para entrar em um campo de visão que mudaria toda a história, todo o roteiro, agora tão triste, tão pesado, tão massacrante, a derrota a mais, a gota que transborda o copo, que entope o boeiro do cotidiano, além daquelas contas vencidas, daquelas conversas em vão, daquela vida mais ou menos mesmo que acertasse o horário do bus e agora nem isso. Da companheira ou do companheiro de serviço quem nem o nota ou apenas o faz perder tempo. Tempo, tempo, tempo que atrasa a janta, que atrasa a limpeza do apartamento, que é desespero para o filho que nota o responsável zeloso e carinhoso ausente. Que faz o animal de estimação esperar mais um pouco. Tempo que vai esperar na parada, agora restabelecendo o penteado com gestos da mão em forma de pente, verificando as axilas e se houve manchas na camisa pelo esporte obrigatoriamente praticado em vão. A corrida sem medalha de mérito, a disfarçada logo em seguida, para verificar que os que encerravam o expediente também já se foram para outras paradas, rumo a suas casas, ou entraram em seus carros ou mesmo a pé sumiram; os passeadores já estão com seus cachorros a procurar novos postes, hidrantes ou placas; os demais já estão a folhear menus rumo a seus jantares e tantos outros nem recordarão da cena, apenas ele. Tão ele ali que tem apenas a si mesmo e não mais aquele ônibus fugitivo, mas à espera do próximo. Ainda pela mesma noite desenhada e na espera pelo acerto e pela antecipação vangloriosas do próximo dia, no prazer das pequenas vitórias e de conquistar pequenos troféus imaginários no manicômio a céu aberto.

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