15/04/2019

caminhada do dia na cidade

Quando anotei o tópico para escrever textos com os assuntos que fui lembrando e descobrindo e refletindo durante esta segunda de sobrenome feira, não pude deixar de mencionar a caminhada do dia na cidade. Como raramente ocorre, depositei o título do texto como as moedas de um parquímetro antes de voltar-me a produzir o conteúdo dessas linhas. Pois bem, sanada a dívida com a necessidade de preencher a chamada master, vamos aos acontecimentos e alguns desdobramentos.

Neste semestre, as segundas-feiras de compromissos têm sido encerradas antes dos demais dias. Assisto os primeiros dois períodos da tarde e estou liberado a voltar para casa. O campus fica a dois trajetos de ônibus de distância. Aproveito o recurso do tempo disponível para percorrer o primeiro desses trajetos no transporte público de apoio da Universidade e depois regresso para o meu bairro caminhando pelo Centro da cidade.

Geralmente não tenho companhia previamente conhecida para essa pequena viagem. Deixo os fones de ouvido no bolso e conecto-os ao celular no momento oportuno. Os óculos escuros também servem, mesmo a dias nublados como este, para reterem-me numa espécie de bolha de isolamento temporário. Minha próxima comunicação da fila do transporte é quando subo os degraus do ônibus e com um rápido gesto, demonstro minha carteira estudantil em que apareço com uma barba esquisita e a camisa do Liverpool na imagem, o motorista assente que está tudo ok e estou apto a embarcar, em busca de um lugar à janela para mirar as paisagens enquanto tocam as primeiras músicas no modo aleatório.

Observo o bairro Porto, suas praças mal cuidadas, seus estudante distribuídos, aglomerados ao redor dos demais campi ou caminhando nos trechos de ida ou volta da universidade. Mochilas, bolsas, ecobags, tatuagens, piercings, cabelos crespos, lisos, pintados, bonés, tênis, chinelos, vestidos, calças, bermudas, camisas de banda, camisas políticas, camisas de personagens de desenho, celulares, salgadinhos, garrafas de água. Conversas sobre as aulas passadas ou sobre as que virão. Uma ou outra recordação quando algum bebeu demais, lembranças da terra natal daqueles oriundos de outros estados ou outras cidades gaúchas, impressões que a cidade os causa, surpreendidos pela violência, comentando alguma pichação, aprendendo uma nova gíria ou algum hábito que lhes era desconhecido antes de vir a explorar essa nova região para seus sistemas nervosos centrais.

Desço em frente à igreja na rua mantida em calçamento de paralelepípedo com pedras grandes e algumas afundadas acentuando buracos motivacionais a reclamações de motoristas. Aquele panorama plural em que os estudantes acima descritos deparam-se a esperar o transporte público defronte a uma instituição cristã.

Sigo meus passos, passo pela praça, que por ora liberou alguns dos bancos antes cercados por arames enquanto a vegetação é trocada como se fosse um carpete. Outros bancos seguem interditados, impossibilitando estudantes, trabalhadores de intervalo, desempregados, aposentados, moradores, homens, mulheres ou cães de rua de os utilizarem. Em volta desses bancos, os bancos ativos de sistema monetário com fluxo diário de caixa em entradas e saídas seguem intactos, a superar crises nacionais, internacionais e continuam seu processo de lucro cada vez mais viabilizado.

Ainda caminho pela 15 de Novembro pelo meio da rua, nos trechos em que poucos carros vêm em minha direção. Acredito que um dos sebos/livrarias mudou um pouco de visual e muito de nome, assim possivelmente tendo cambiado de administrador. Outro sebo que me interesso atualmente me existe, por enquanto, somente pela rede social instagram. Lá são ofertados volumes o tanto quanto interessantes, de Clube da Luta a Hermann Hesse, de Nietzsche ao polonês Bauman.

O parque que se gruda à via lateral de uma das principais avenidas da cidade está tomado por pessoas que se distribuem nos gramados como única atividade para aquele horário. Sinto a ausência de higiene de um mesmo passos distante dele. Cuido-o se não vai avançar em busca do aparelho em que conecto meus fones ou meus óculos escuros. Ele segue imóvel. Estava em absoluto repouso. Olho ao redor e, mais para o fundo, para o centro do parque, é fácil visualizar que ele não é o único nessa condição.

Numa noite dessas, observei um que eu identificava dessa forma como receptor de um colete alaranjado e fluorescente para ajudar a guiar estacionamento e cuidado com os carros, ou a popular profissão de flanelinha. Vê-lo assim surpreendeu-me.

Meu excesso de sinceridade contida e agora aplicada me faz confessar que o fato que me fez descobrir haver conteúdo o suficiente para esta explanação foi cruzar por uma ciclista que cobriu melhor seus seios durante sua manobra para dentro da ciclofaixa da rua em que caminhei. Sendo esta irrelevância um marco da travessia rumo à zona leste da cidade. O tempo essencialmente nublado fez minha caminhada seguir pelo rumo mais próximo ao de casa, não inventando rotas alternativas para melhor aproveitar a experimentação do andar a esmo e de ouvir as músicas conhecidas, mas de desconhecida ordem seletora do dispositivo móvel.

Como de costume, cheguei com a garganta seca implorando um refresco e preparando-me para o trocar de calçados por chinelos e do jeans por calça de moletom. Após o dinamismo e a aventura de previsibilidades e imprevisibilidades das ruas, momentos de descanso em frente ao desktop.

Pelotas, 15 de abril de 2019

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