Entalado aquele texto que não escrevo, mas jamais enlatado. Liberto de minhas próprias jaulas, ponho-me a escrevê-lo. Duas ocasiões, mesmo mês e os ingredientes dessas linhas postos diante de mim. Missão dada é missão cumprida era um dito do Coronel Ewaldo Poeta, ex-presidente e eterno presidente do Grêmio Atlético Farroupilha, falecido aos mais de 90 anos em aproximadamente meia vida dedicada ao clube fragatense.
É do Fragata que vem a primeira exemplificação do que pretendo aqui. O Farroupilha subiu da mais baixa das divisões do futebol profissional gaúcho ao eliminar o Guarany da cidade de Bagé na fase semifinal, na soma de empates e na sorte e competência, competência e sorte de marcar o chamado gol qualificado, que é o feito fora de sua casa. Na volta, ao atingir o objetivo da heroica e histórica classificação, os guerreiros, juntamente com a comissão técnica e com quem, como num instrumento musical afinado, literalmente toca futebol naquelas bandas da cidade, tiveram o acesso em tremenda festa deles registrada sobre o empréstimo de um caminhão do Corpo de Bombeiros.
Animados e registrando o máximo possível desse sublime momento, os jogadores e membros da comissão transitaram pelas ruas da cidade, saindo da sede em estádio do clube tricolor pelas ruas mais centrais pelotenses. Tudo me parecia um pouco estranho, mas não sabia exatamente apontar o porquê. Eis que um comentário noturno em rede social, marcando a postagem sobre a comemoração me abriu aos olhos. A verdade é que a comemoração era muito mais dos atletas e dos participantes ativos da conquista do que da cidade. Embora buscamos incansavelmente a imagem de que o Farroupilha é o mais querido do município, situações das mais diversas ao cotidiano fizeram com que motoristas, pedestres e demais ocupantes das vias nem entendessem do que se tratava o evento, a carreata (que contou, sim, com alguns carros a seguí-los).
Por algumas fotos, foi possível ver ao redor um cenário inerte à importante conquista, a mais importante da maioria dos componentes do grupo dos tricolores. Carros que se sentiam presos em um trânsito já naturalmente caótico, pedestres de observações instantaneamente curiosas, por serem surpreendidos ou pela própria curiosidade ter morrido tão depressa quanto nasceu em brotáveis interrogações.
Detalhes talvez muito corriqueiros, que espero tenham passado batido pelos próprios celebradores. Mereciam e merecem grande reconhecimento e aclamação. Uma parcela limitada de torcedores apaixonados e ovacionais ao clube Farroupilha, alguns admiradores do futebol local e mais outros rapidamente inteirados ou saudosos de outros tempos mais gloriosos à instituição quase centenária da Avenida Duque de Caxias, Fragata. Estes estiveram juntos aplaudindo, incentivando e, com nada muito ensaiado, talvez cantando ao acompanhar o histórico e lendário torcedor Trem, no alto de seus mais de 70 anos apaixonados pelo Tricolor. Porém, os demais cidadãos, a esmagadora e ampla maioria nada ligavam e seguiam sua rotinas normalmente. Se nem no próprio Fragata o Farroupilha é unanimidade ou mesmo maioria, pouco sobra de prestígio às áreas mais centrais ou afastadas daquele reduto. Poderia ser uma celebração saborosa e partilhada.
Seria a logística, como um todo, uma escolha correta pelos planos de fundo pouco inerentes e predominantemente desconexos ao contexto? Será que a confusão de uma segunda-feira à tarde no trânsito complicou a programação? Ganhariam maior destaque e reconhecimento num fim de semana, atrapalhando menos vidas aceleradamente urbanas? Questões desse primeiro exemplo que espero tenham entendido.
Recapitulando a ideia central dessa descrição, considero digno de mágoas grandes conquistas pouco importadas e acolhidas pelos demais em volta. Outro ligeiro e rasteiro exemplo seria o respeito não apropriado ao luto alheio. Na mesma Avenida Duque de Caxias decorre a existência do maior cemitério local. Quantas vezes passamos ali em frente com N outros motivos e vemos pessoas debulhadas no mais profundo luto? Elas tendo que conviver com a passagem externa de pessoas tocando normalmente suas vidas. Vendedores de flores mais acostumados logo defronte aos portões de entrada, ok. Mas pessoas pegando o ônibus como fazem diariamente. Vendedores de lotéricas, carros, armazéns, farmácias e os demais comércios em volta no mais normal funcionamento. Até uma sorveteria - vejam só - abriu quase ao lado do cemitério. Toda oportunidade é capturada em busca da sobrevivência e dos lucros. Dos lucros para a sobrevivência, vejam bem.
Me estendendo sobre essa nem tão breve explicação sobre as ignorâncias - no ato de ignorar! - do dia a dia, sejam as mais brilhantes conquistas ou os mais pesarosos lutos, me despeço por ora nessa introdução. Vou reservar o outro exemplo ao outro texto, de acordo? Bom, apesar de tudo que foi listado, entendo que não há como estarmos a par de todos esses acontecimentos. Constantemente navegam críticas nos mares das redes sociais e do boca a boca no dia a dia sobre como ignoramos a ciência, as conquistas da física, da matemática, da química ou grandes literários. Tudo isso é verdade, ignoramos mesmo, ignorantes que somos por não conhecer, não nos interessar ou mesmo simplesmente não saber e não buscarmos saber. Erramos nós e erramos a mídia.
Curioso fato se desenrolou a partir de uma postagem falsa com atores do cinema pornográfico interpretando na manchete e no breve texto a estudantes brasileiros vencedores de prêmios internacionalmente aceitos. Muitos compartilharam sem saber que se tratava de uma notícia mais falsa do que nota de três pila. Acontece. Paladinos e justiceiros, como os defensores audaciosos do futebol no âmbito feminino em período de grandes disputas masculinas, como finais nacionais, europeias ou de copas mundiais. Eles também são pegos de surpresa compartilhando informações falsas a respeito de salários, de conquistas da seleção brasileira feminina ou outras tratativas mal averiguadas, mal apuradas ou de caráter negativo pela disseminação de informações falsas.
Ponto. Nova folha.
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