Aceito que filmes retratem todos os homens como idiotas porque acho que já fizeram filmes demais em que eles não são. Ou fizeram filmes demais em que as mulheres todas eram retratadas como idiotas e/ou histéricas.
Em um filme, as várias ideias de roteiro e desenvolvimento podem ser feitas pela produção, por mais gente. É diferente desse trabalho solitário a uma só mente feito pela escrita. O escritor, solitário, tendo de pensar em tudo.
Já percebi que um livro, para sociedade de hoje, é tempo demais a uma só voz, quando os aplicativos e redes sociais dão em shorts o tempo de alguns segundos para cada exibição, teoria, bobajada. Um livro são horas e dias geralmente dedicados a um único narrador, uma única voz. Intolerável para essa geração.
Sobre as ideias de roteiro, quem será que teve a ideia genial das cenas inicial e final do filme Mustang (2015)? E os sentimentos evocados a partir disso? O contraste, a solução, a volta por cima, a esperança? Tudo começa com a pequena Lale se despedindo da professora, que iria embora da cidadezinha delas para grande capital Istambul. Istambul seria a alternativa final para as irmãs prosperarem, se libertarem.
Mustang começa animador, libertador, com as meninas voltando da escola, brincando, se divertindo e buscando os primeiros flertes. Ao serem descobertas na aldeia, ficam difamadas e a família, envergonhada, começa a trancafia-las e a organizar os casamentos, antes que seja tarde, antes que, segundo eles pensam, percam a virgindade ou difamem mais aos familiares. Assim, são treinadas para serem donas de casa, cozinheiras, faxineiras e, é claro, esposas, inclusive não retomando os estudos, como as ex-colegas estranham suas ausências na escola local.
A vida das cinco irmãs, apesar de criadas juntas, sem os pais, com a avó, é bastante diferente. Seja em atitudes ou nos desfechos. Elas possuem personalidades distintas, um dos trunfos da trama, fator que não as resume em cinco menininhas, como se fossem homogêneas. Lale, a menor, conforme vai sobrando na casa, também ganha protagonismo. É rebelde, decidida, entusiasmada e não se dá por vencida.
A mais velha é a que consegue melhor destino, ou mais rápido se resolve, podendo até escolher seu marido, que grande vantagem! As demais não terão a mesma sorte, conforme evolui o roteiro. No desenvolvimento, a paixão de Lale pelo futebol ainda conduz as demais até uma partida grande em estádio, em que precisaram de fuga, de carona, de várias manobras, o que contribuiu com alguma comédia à trama. Os homens haviam brigado em estádio e a partida que desejavam ir era somente para mulheres, medida que até no Brasil já foi feita em partidas, como no estado do Paraná.
Sobre a proibição ou permissões restritas às mulheres de verem jogos de futebol na cultura do Oriente Médio, ver Offside (2006), sobre as meninas impedidas de ver o jogo decisivo para classificação do Irã para Copa do Mundo da Alemanha. Um filme entre o dramático, o documental e também a comédia. O filme em questão é iraniano e utiliza muito bem o cenário, os bastidores, as ordens militares e o olhar inocente e infantil perante os sonhos de absorver cultura e viver emoções.
Voltando a Mustang, cabe dizer que considero o filme mais complexo e culturalmente envolvente que o norte-americano As Virgens Suicidas, de direção de Sofia Coppola. A personalidade mais bem definida das meninas turcas contribui para essa conclusão. O envolvimento de cada uma com a situação, o como lidar, o que fazer trazem momentos angustiantes em que torcemos contra as injustiças que as cercam. Como não se emocionar com a prometida cena final da película?
Nota final, facilmente:
⭐⭐⭐⭐⭐
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Chegada a Istambul com vista marcante para cidade, a esperança e o futuro (Reprodução do filme Mustang) |