3 de julho de 2023

Y apareci en un barrio del que no puedo salir

Era um show de rock, mas eu não havia definido ainda se tratava-se de um teatro, do ginásio Gigantinho ou outra acomodação. Fato é que a plateia se desenhava abaixo de uma espécie de mesanino (palavra a qual detesto) sobre o qual estávamos. O mesanino, na verdade, era um bar totalmente decadente, com um atendimento lixo, com um suposto dono da espelunca em aspecto carrancudo, ao mesmo tempo que pouquíssimo interessado nos acontecimentos que o rodeavam. Tão pouco se importou que os simulacros de brigas que ocorriam eram ignorados. Eu lembro de discutir com ela ou por causa dela, e assim arremessei meus óculos no chão, pela primeira vez, nesses três anos, destruídos, com um rompimento impossível de encaixar na lente.

Os óculos dispensados ao solo seriam somente meu primeiro problema naquela noite maluca. Meus familiares também se desenharam por ali, de uma forma bastante surpresa fiquei, porque não era costume deles aparecerem em qualquer evento noturno, naquela espécie de casa noturna recebendo um show uruguaio de rock, em que eu imaginei primeiro Cuarteto de Nos, mas descobri tratar-se de Attaque 77. Meu primeiro seguidor desconhecido em internet, ao menos na rede social que mais usei nessa vida, Diego Antônio - ou Diego Lokura - estava lá para setenciar que, sim, tratava-se da banda argentina Attaque 77, da qual ele era exímio fã. Éramos minoria naquela noite, pois os torcedores de bandeiras e camisas vermelhas estavam abaixo do pobre mesanino. As tribunas não estavam cheias, evidenciando um insucesso nas vendas ou divulgações, ou vendas e divulgações. Um show em casa noturna incompleta, com espaços para assistir, com bandeiras em vermelho e branco que tremulavam, tremulavam, e eu brinquei que levaria algumas daquelas para o maior colorado do mundo, o Hercílio Luz da cidade de Tubarão, cidade de meu pai.

Eu, bêbado, gritava impropérios que logo causariam algum simulacro de briga. Gritava que nunca havia visto tantos torcedores da Croácia ou do Hercílio Luz. Só faltou citar o Náutico para provocar ainda mais o pobre lado vermelho porto-alegrense. Cruzei com algumas figuras, pois lá estava o Lucas Pacheco, hoje dentista, com a mesma cara de quando o conheci na escola e um relógio de pulso que deveria custar mais do que meus futuros salários. Qual não foi minha surpresa quando pintou o aparecimento de meu colega Matheus, que havia sido agredido com um chute. Isto foi o que ele contou enquanto mancava. Eu pensei que tratava-se de uma brincadeira, ele praticamente imitando o mascote deles, um saci. Mas baixou um pouco a lateral de sua calça para constatar um tremendo roxão no quadril, algo que recorria a urgência da procura de um hospital na equipada capital gaúcha. Ofereci ajuda nos cuidados, o que ele negou e logo prosseguiu sabe-se lá para onde. Nisso tudo, eu precisava carregar a bateria do meu celular naquela casa noturna putrefata. Novamente surpreendido eu fui, pois haviam muitas tomadas, nos mais diversos formatos e posições daquelas paredes mal pintadas. Tentei plugar o aparelho com meu carregador desmanchando-se, o que em realidade assim está, bem ocorre, tive insucesso nas primeiras tentativas, mas logo consegui uma posição exata e delicada em que a barra de bateria poderia subir para meus gracejos.

Deixei o celular ali depositado sobre uma cadeira no canto do bar improvisado sobre o putrefato mesanino. Continuava a checar o movimento, sem prestar atenção se o esperado show havia começado, ou, se já começado, prosseguia, sem reparar mais na quantidade de camisas coloradas, muito menos nas bandeiras. O mesanino parecia uma espécie de mundo à parte, um espelho da desgraça, independente do que ocorreria no palco. As mesas eram poucas, os móveis velhos, sujos ou estragados. O horário da noite avançava sem maiores incidentes, quando eu percebi que amanhecia e precisava dar o fora dali, sem perder o que fosse: a carona da minha família ou o ônibus de excursão.

Percebi que meu celular faltava, pois havia só a cadeira branca, de madeira mal pintada, e, sobre ela, o velho carregador em frangalhos. Onde estaria o aparelho? Surgia assim meu segundo grande problema, o terceiro, se contar o coitado que levou o suposto chute que lhe causou tremendo roxão. Recolhi o carregador branco que tinha certeza ser o meu, sem nem pista do aparelho que alguém, naquela espelunca, havia roubado, obviamente sem sinal do enxugador de pratos ter presenciado o ato. Sem óculos, sem celular me dirigia para o lado de fora, quando avistei um casal que achei ser o de meus colegas de jornalismo, Wagner e Vitória, belos nomes quando posicionados juntos, diga-se de passagem. Comentei com uma terceira pessoa que achava que se tratava do Wagner, mas que na verdade era até uma mulher quem acompanhava a suposta Vitória. Erro meu.

Ao mesmo tempo reacendia a dúvida de que eram Wagner e Vitória lado a lado na porta de saída, pois Larissa, também do jornalismo, me puxou de vez para fora do estabelecimento, para uma noite que virava dia. As pessoas dispersavam-se em seus rumos, trôpegos bêbados, alguns motoristas, intactos ou não, eu ainda em busca de encontrar minha família ou o coletivo que me trouxera, eu pouco sabendo como. Larissa queria me mostrar seu filho pequeno, que brincava inocentemente na rua, alheio ao desconvidativo horário e a todos os demais acontecimentos.

Cheguei sim a reconectar-me com minha família, mesmo sem o melhor dos sentidos da visão na ausência de meus óculos, aproveitando o novo dia que raiava, feliz por encontrar meus pais. Mas logo os perdi novamente de vista, com o agravante de agora não contar mais com o celular para comunicações. Meu pai não sabe usar o whatsapp, minha mãe sabe, mas eu precisaria do quê? Pedir algum aparelho emprestado, encontrar o mito do orelhão de rua? De um posto de gasolina eles partiram sem mim, ou seria que em um posto desses me esperariam? Fato é que não encontrava mais o tal posto. Encontrei postos abandonados, casas abandonadas, todo o panorama de bairros pobres e sem-teto nos Estados Unidos, seja em Detroit, Cleveland, Baltimore, Nova Orleans ou algum recanto da Califórnia. Eram rincões do mundo ou da própria Porto Alegre que eu não conhecia. Nem seguidores perdidos da internet, nem ex-colegas de jornalismo, nem amigos agraciados com chutes, ninguém mais me libertava desse labirinto enquanto o dia, veloz, caminhava para novo anoitecer.

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