Como faz para não se matar um sujeito que está insatisfeito com todas as vertentes da vida? Permanece vivo com alguma luz distante que uns chamariam esperança - mesmo que entendam que para ele está totalmente opaca, ofuscada - ou será que mantém o corpo firme somente pela experiência de encarar tantas marteladas de frente, na reta da marreta, defronte para a pancada? Quer se manter longe das estatísticas dos mortos jovens, pois soube que na sua família o mais novo de todos parece que foi-se aos 36 ou talvez 38. Nenhum registro de morte infantil, apenas alguns registros de concepções que não vingaram, de missões abortadas ainda no ventre. Tenta encarar de frente. Sabe que quase metade do país vive inseguranças, como a mais grave, a insegurança alimentar, mas está de pé como reza o dito de que a América Latina não tem pernas pero camina. Sabe que milhares, mirem-se milhões de trabalhadores ainda não desistiram. Tenta entender na cabeça deles o porquê. Já imaginou o suicídio como protesto, como causa, como algo chique, manifestante contra o sistema, algo planejado, teatral até diria. Mas leu e viu exemplos de que a morte às vezes é somente crua. Debaixo do sol de algum meio-dia, no meio de uma rua que poderia ser deserta ou recoberta pela sombra diminuta dos transeuntes. Pode ser do alto de um prédio rumo ao choque com a calçada, pode ser o envenenamento, pode ser a arma de fogo ou mesmo uma arma caseira na base de esguia coragem, pode ser. Pode ser somente a fome batendo incessantemente à porta até o entre da exaustão, a hora exata da derrocada, da pedra final em composto labirinto. A fome que atazana, ronda, derrota milhares. À fome que cerceia, seca a boca, domina o sistema nervoso de paladares sedentos. A fome é implacável e por ora, somente por ora, ameniza minhas notas suicidas. Chego a sentir-me culpado de elaborá-las em tal situação, mas volto ao ponto de que gostaria de aprender a ter paciência, de que minha experiência para algo servisse em minha própria ajuda, em meu próprio socorro. Temo pela minha saúde, mas principalmente pelas de quem mais amo. Me sinto culpado em não domar esse meu instinto autodestrutivo que reage tão mal às pressões mentais que diariamente sofro quando os revés surgem. Ao invés de melhor me preparar para o que sei estar por vir eu apenas me sinto mais enchiqueirado, desconcertado, abatido, reduzido, quase abduzido de minhas faculdades combativas para enfrentar o que há por vir. Quando meu cérebro se situa no mar das imprecisões, cercado pelo mundo opressivo, tenho alguma vontade de gritar, mas muito maior é minha vontade de sumir. É isso o que sinto. Mas sobrevivo. Provavelmente não terei como ajudar muitos exemplos necessitados do combate à primeira fome, a estomacal, ou as milhares de vítimas dos alagamentos e deslizamentos na Bahia. Provavelmente não terei, mas jamais por falta de vontade ou empatia por esses grupos. Mais uma vez produzo sem saltar parágrafo, mas mais uma vez concluo dessa vez sem pular na frente de algum bonde. E por ora, ao estado calamitoso que me encontro, isso deve bastar.
28/12/2021
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