3 de outubro de 2024

Ah, a memória

Ah, a memória. Ela dita ritmos.

Para quem tem muita memória, mas que elas se unem em aproximação, pois, apesar da vida ser larga, as memórias se conjuntam como se a vida fosse curta. Não vos parece?

Para quem tem curta memória, elas se escondem, pois, apesar da vida ser larga, as memórias se afastam e o que sobra é a lembrança de uma vida curta. Não vos parece?

Desse modo, tanto os reunidores, revisores vorazes, cirandeiros das memórias, quanto os que as jogam de uma montanha penas ao vento, os dissimuladores, os ocultados, os labirínticos bloqueadores de memórias, ambos acabam com as mesmas desgraçadas impressões: que curta é a vida!

Para os reunidores que em saguão, em auditório lotam suas memórias, acotoveladas umas às outras, tudo parece próximo, tudo se fundiu, passou tão rápido: que curta é a vida!

Para os que mantém as lembranças soltas como se um dia fossem voltar, livres como cachorros de portões abertos, gatos que viram cartaz de procura-se, crianças que correm quadras adiante dos pais e tomara voltem, essas memórias espaçadas, escorregadias, corrediças, essas memórias afastadas como os mais gasosos átomos deixarão o salmo de repetição do texto: que curta é a vida! Me sobraram tão poucas memórias que todas as demais voaram. Que faço com elas se não reuni-las escassas, livro de páginas faltantes, de falas e passagens repetidas de memórias desorganizadas, de ordem alfabética que começa em C, pula para L e termina antes de qualquer W, livro incompleto, borrado de café ou erva, inelegível por tantas partes. Que conclusão chego a não ser que é curta a vida que nos toca sobrar aos dedos inabilitados para agarrar muito?

E mesmo os consumidores a esmo de tantas memórias, que adianta ao final reuni-las tantas se elas são, no auditório que nos sobra de vida, apenas espectadoras, passivas, passageiras, esfinges, fumaça, fantasmas? Que curta é a vida, na qual não posso voltar a tocá-las... memórias.

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