31/01/2022

A enterrada

Relação de estar lúcido, raciocinando sobre o sonho, mas ainda não estar totalmente acordado. Como o que se diz de um sonho dentro de outro sonho. Consegui enterrar no basquete. Consegui encontrar pessoas do Jornalismo. Percorri a pé minha cidade em busca de minha antiga casa e haviam feito crateras na rua, para escoar o esgoto, em um serviço porco, mal feito, com os dejetos a céu aberto, difícil de acreditar. Falta de respeito com o contribuinte, com o dinheiro dos impostos, a Gonçalves Chaves com seu calçamento detonado, cortado por uma linha bizarra que abria caminho para o subterrâneo esgoto. A linha que prosseguia incômoda como uma rachadura numa parede e talvez eu mais a percorresse por curiosidade de onde acabaria tamanho absurdo. Mas obviamente terminaria na casa onde morei a suprema maior parte de minha vida. E o panorama lá nada melhorava, com a confusão cloacal. Cruzamos por um vizinho, antigo vizinho, morador da região, apenas sabíamos que ali morava porque saiu logo reclamando, indignação que logo compartilhamos. Declarou sobre o absurdo daquele córrego defeituoso, imundo, gerador de asco. Replicou nossa prévia ideia de desrespeito com o contribuinte através dos impostos.

Este era o desfecho asqueroso de um sonho um pouco menos assim. Começou até promissor. Jogávamos basquete no ginásio da escola. Seria um jogo que combinei marcarmos em algum dia inexistente, marcar de marcar, com João Antônio, pela internet. O assunto com ele surgiu porque mencionou em um jogo da NBA que o time do jornalismo, nos jogos da Universidade, mesmo atuando com apenas quatro, era mais digno. Dali puxamos assunto. Me ofereci como participante em futuros joguinhos que desde a conversa já consideramos impossíveis de ocorrer. Quase ninguém liga. Pois ainda imaginei muito mais.

Estávamos com turmas antigas formando time. Havia apenas seis em quadra à espera do início. Era horário marcado no ginásio. Propusemos um infeliz 3x3 em meia quadra. Como correr a quadra inteira com apenas três jogadores em cada time? Aí já estávamos batendo bola. Meus arremessos curtos e sem força, e sobretudo sem noção da distância até o aro. Aí chegaram mais dois e começava a se ajeitar o jogo. A bola de basquete ora virava de futebol, ora voltava a ser de basquete. Ora a chutavam, ora a buscamos novamente só com as mãos, como a boa regra do jogo. Eu já havia saltado no aquecimento, um salto preciso, voltei a me pendurar no aro de basquete, Shaquille O'Neal de meu vasto imaginário. A trave, a sustentação da estrutura, tudo balançou sob meu triunfo. Fiquei muito contente por ainda conseguir saltar bonito, como sempre consegui e chamei atenção. Eu talvez fosse o melhor saltador em altura na escola. Mas não gostava de fazer o ritual do início dos jogos de basquete. Não gostava de jogar de pivô. Não gostava de pegar rebotes. Não gostava de arriscar saltos por cima dos perigosos degraus em piscinas. Mas saltava muito, demais em altura. Por isso, apesar da minha faixa de estatura, conseguia alcançar o aro.

Mas recordei, lúcido, que não conseguia alcançar o aro enquanto manobro a bola. Ou seja, eu não conseguia enterrar. Mas dessa vez consegui. Colega meu lançou a bola em um chute de três dedos. Peguei a bola no alto, na altura da cabeça, mais ou menos, e fiz o movimento, os chamados tempos, passos rítmicos em direção à cesta. Consegui subir à altura quase do aro e apenas largar a bola na posição correta para dentro, mas, com a bola já emaranhando-se na estreita redezinha, antes de cair de volta ao solo, eu ainda subia, senti como se o ar me permitisse mais um salto dentro do salto e alcancei o aro, talvez até com sobra. Será assim uma enterrada? Provavelmente não. Mas a sensação foi. 

Após a enterrada em que dali recebia os respeitáveis aplausos pelo salto, o movimento, a cesta, todos bem concluídos, eu estava fora da quadra. Chega! Basta de às vezes chutar a bola, às vezes jogar basquete seguindo as regras direitinho. Encontrei pessoas ligadas ao Jornalismo em um quiosque, o que me poderia fazer pensar que se tratava do mercado público de nossa cidade, ideal para acomodar encontros boêmios como o da ocasião. Ou ao menos é o local que recorro à memória para aderir a um quiosque fora de praias. No meu convívio seria no mercado, enfim.

Encontro pessoas ligadas ao Jornalismo. Tento descrever a façanha recém (?) executada de enterrar a bola de basquete na cesta. Ninguém parece ligar. Percebo que me encontro tentando narrar a cena pela segunda vez para eles. Mas ninguém dá bola. Pessoas vêm, pessoas vão daquela mesinha, pessoas cumprimentam outras pessoas mais do que a mim. Azar é o meu. Fico perdido entre os vácuos e meus pensamentos, levando comigo somente a façanha de ter enterrado uma bola de basquete e, talvez, o gosto amargo da bebida, bebericada a cadinhos no copo que eu pareço jamais ignorar.

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